TRAUMAS DE UM MINEIRO
Celso Rab Lage
 
 

Botucatu, cidade do interior paulista. Estou aqui sentado, na mesa de um bar, copo de cerveja na mão, relembrando a minha infância ao lado de um grande amigo. Amigo esse que não vejo há anos e que em breve terei a felicidade de revê-lo.

Esse amigo é aquele que durante a infância todos nós temos. É o amigo mais chegado, aquele que compartilhamos os nossos primeiros chutes na bola, as primeiras vidraças quebradas, a primeira paquera...

E comigo não foi diferente, eu e o Jéssiclelton éramos muito unidos, brincávamos de futebol diariamente, íamos a escola, ou melhor, "matávamos" a aula juntos, pescávamos, acertávamos umas estilingadas nos passarinhos... Afinal, fazíamos tudo o que uma criança poderia fazer no interior de Minas.

Quero dizer, quase tudo, pois no caso do Jéssi quando o assunto era mulher o cara morria de vergonha e saía de fininho. Eu, que era o seu melhor amigo, nunca o vi beijar alguém. Não que o Jéssi fosse viado, mas é que o cara foi pego uma vez em flagrante delito....

Estava o Jéssi nos fundos de sua fazenda, olhando os animais, mordendo uma ervinha no canto da boca, deixando apenas o tempo passar, quando passa na sua frente a Carminha.

Carminha era uma mistura de coisa do demo com a mulher perfeita. Mulher perfeita eu nem preciso dizer o porquê e, do demo, porque tinha um baita chifre na cabeça, trabalho de seu marido Rubialvo que vivia na zona da tia neca, zona essa muito freqüentada, alvo da libido de toda molecada.

A Carminha, vulga chifruda gostosa, sabia das aventuras do marido e para se vingar fazia o seguinte: ela, com aquele ar sensual, dengosa, toda matreira, andava sempre de vestido e quando via algum moleque sozinho em lugar ermo, chegava perto e, de repente, levantava o vestido! Para nós do Movimento JPM (Jovens Punheteiros de Minas), era um delírio só... Ela permanecia naquela posição e esperava o jovem em questão terminar o serviço... Não podíamos beijá-la, tocá-la, mas ela com os seus dedos, caras e bocas, nos fazia chegar ao êxtase em poucos, digamos, segundos.

O Jéssi, quando viu a Carminha, foi logo abrindo o zíper e se preparando para fazer o serviço quando de repente... ZÁZ!! Levou uma baita pancada com uma vara de marmelo bem lá no já então, falecido. Quase desmaiado de tanta dor, o Jésse só teve tempo de ver o Rubialvo correndo atrás da Carminha enquanto ele se contorcia no chão...

Esse episódio custou caro para o meu amigo Jésse. A vara de marmelo fez um estrago tão grande que o rapaz teve que levar 10 pontos no local, pontos esses muitos mal-costurados pelo dono da farmácia, o Sr Adalberto, fazendo com que o "instrumento" do pobre rapaz ficasse torto e com uma cicatriz horrível.

Traumatizado. Essa é a palavra correta para definir o Jésse.

Principalmente depois que, no dia da sua primeira transa com a Ritinha Charrete (hoje, já adulta, evoluiu muito, chegando a Cadillac), que era a "quebra-galho" oficial da molecada, ela negou-se a fazer amor ao ter uma crise de riso quando viu o dito cujo do rapaz, apelidando o mesmo de Frankestein. Frank para os mais íntimos.

Com o passar dos anos, o cara foi ficando inconformado. Todos os garotos se ajeitando, perdendo a virgindade e ele nada. Tinha vergonha de ficar com uma garota, aliás, nunca imaginava ficar com uma pois todas o chamavam de Frank. Foi quando ele decidiu apelar...

Estavam ele e Gertrudes caminhando no campo. Ela que caminhava tranqüilamente na sua frente, seguia desapercebida do olhar sedento, do instinto animal que tomava conta de Jésse. E ele, acompanhando com o olhar o rebolado de Gertrudes, e não se segurando mais, decidiu atacar!

Ele pula em cima de Gertrudes, ela corre, ele a segura por trás, ela muito alta, ele tentando de todas as maneiras convencê-la a abaixar-se... Ela lutando até que o Jésse a empurrava contra o barranco e finalmente consegue o seu intento... Gertrudes só teve tempo de dizer: MMÚÚÚÚúúúú...

É isso mesmo! O cara, num ataque de loucura, atacou a própria vaca, aquela coitada, que todo dia tinha suas tetas bolinadas pelas mãos de Jésse, aquela que sustentava a casa com o seu precioso leitinho, estava sendo animalescamente estuprada!!!

Amigos, o pior dessa história toda é que o cara gostou da coisa. Não queria mais saber das meninas. O negócio dele era vaca, cabrita, ovelha... era ele olhar e transar, sempre com animais.

Convivi com o Jésse até os dezoito anos e, até essa idade, o cara nunca beijou ninguém. Talvez pelo trauma, talvez por opção sexual, sei lá... Só sei que após a minha vinda para Sampa, ele logo em seguida veio aqui para Botucatu, onde prestou vestibular e se formou, trabalhando na área médica.

Com 30 minutos de atraso, 4 chopes e uma porção pela metade, eis que aparece o dito cujo.

Boa pinta, cabelo com gel, corpo atlético. Muito diferente do rapaz franzino e medroso que eu tinha visto pela última vez há 10 anos atrás.

- Grande Jéssiclelton!!!

- Pô cara... Jésse... Dr. Jésse (olhando para o lado para ver se ninguém havia escutado o seu nome)

- Opa, desculpa aí, Dr... que saudades cara!!

- Pois é... 10 anos... como a vida passa.

- Passa mesmo... E aí, já casou? (na verdade eu queria saber se o cara tinha comido alguém, fui sutil).

- Casar? Não cara, sou muito novo...

- Novo? Ô meu, você já tem 28... daqui a pouco só com viagra.

- Deixa de maluquice, desencana...

- Mas conta... nem uma transinha? (decidi perder a sutileza).

- Bom, eu sei que é falta de ética, mas eu não resisti. Estou transando com uma paciente...

- Que se dane a falta de ética! Que bom saber que você perdeu aquele trauma. Aleluia!! E a mina, gostosa?

- Um tesão!! Como ela todo dia e...

Bip...Bip...Bip...

- Pô, isso lá são horas de tocar o bip... desculpa cara, mas preciso ir urgente ao consultório. Toma aqui o meu cartão, o meu consultório fica aqui pertinho, quando você acabar com essa porção aparece lá.

E lá se foi o meu amigo, de Frank, o tímido, para Dr Jésse, o comedor de pacientes. Esse é o cara, eu sabia que amigo meu era assim mesmo, no fim vira tudo comedor.

Deixa eu ver o cartão.... Puta que o pariu!!!

"DR JÉSSE - Médico veterinário"

Duvido que ele tenha beijado alguma paciente!

 
 
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