CRONOMETRANDO ANNA
Paffomiloff
 
 
Sua presença é perturbadora: doce, estável e irrequieta.

O som da roupa folgada, afagando-lhe a pele, seus lentos gestos tão audíveis no gemer da caneta sobre sobre a folha. Tão distinto do som horrendo e puncionante de minha grosseira máquina.

Será que me olha? E se olha, será que me vê?

Diligente e meticulosamente registrei seus passos e tempos. Em dois segundos, meu amor, você levanta da cadeira.

Mas antes de dar a volta à mesa, fica de pé, diante, suponho, do computador, às minhas costas, pela eternidade de dez segundos.

O que fará nesse momento? Ajustará as madeixas? (Saberei pelo perfume de seus cabelos). Desligará a tela? (O som do botão me dirá). Tanto faz, mas são dez segundos, um terço do tempo de um comercial de TV.

Devo me apressar, tenho menos de oito segundos para levantar e interceptar seus macios passos até a mesa de café, que sei que fica à esquerda da sala, bem no final. Sempre vai lá, usa um copo de vidro, onde tilinta a colher.

Fingirei um esbarrão.

Você dirá "oh!", como sempre diz quando se surpreende.

No lugar de desculpas, entregarei o bilhete, escrito à maquina, com uma poesia que nasceu nas sombras, como um cogumelo:

"Decorei-lhe a trajetória pela sala
Com seu perfume de rara magia
Disseram que tem olhos verdes
É uma bela imagem, não nego
Pois se olhar para mim só verá
Os olhos azuis de um cego"

 
 
fale com o autor