O ENCANTAMENTO DO APRENDIZ
Maurício Cintrão
 
 
Os únicos olhos verdes que conheci de perto pertenciam à Gabriela. Foi um conhecer quase bíblico, daqueles que abrem o mar e multiplicam as estrelas. Não chegou a ser digno de citação de santo porque era a minha estréia no mundo namorador. Historicamente, não passou de uma preliminar de São Paulo e Coríntios. No meu imaginário, entretanto, quase chegou lá.

Pois os olhos da Gabi eram lindos. E apresentavam tonalidades variáveis, conforme o humor e a paisagem. Eu a conheci tranqüila, na Ilhabela. À beira-mar, seus olhos azulavam durante o dia e ganhavam tons de esmeralda nas noites estreladas. Pareciam faróis quando olhavam para mim, furta-cor, frutas coloridas.

Magnetizado pelo seu olhar, eu me iluminava todo até mesmo quando seus olhos perdiam a cor. Certa tarde, ela brigou em casa e os olhos acinzentaram. Fiquei encantado com a mudança e culpado pelo encantamento. Pois ela chorou feito criança depois da briga, escondendo em meus braços o rosto e os olhos vermelhos.

Olhos que povoaram aquelas noites insones do final de férias e emprestaram cores aos sonhos despertos do menino amorenado. Sem eles eu não tinha fome, eu não tinha nada. Era como se não pudesse enxergar mais o mundo se não fosse acompanhado pelos olhos ora verdes, ora multicoloridos da Gabriela enamorada.

Menina corajosa que aceitou meu noviciado com os olhos doces de quem vê além das cores primárias. E que me disse pela primeira vez (foram tantas as primeiras vezes naqueles poucos dias) que eu olhava castanho com olhos de quem devora a alma. E me olhava com suas pupilas divertidas como quem pede para ser devorada. E eu devorava entre olhares coloridos e beijos estrelados.

Na última vez em que nos vimos, era noite em São Paulo. Eu não sabia, até então, que as mulheres trazem nos olhos venezianas de suas intenções. Pois as sombras descoloridas daquele olhar tristonho me ensinaram. Entre tantas formas de anunciar um final, a falta de brilho disse ali, longe da praia e de todos os meus sonhos, que os olhos de arco-íris nunca mais emprestariam cor às minhas fantasias.

 
 
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