BOA NOITE, MARIA!
A BEBIDA AJUDA A CONCEPÇÃO, MAS NÃO A EXECUÇÃO
Samuel Silva
 
 
Que já era tarde ele sabia com toda a força do álcool que afogava seus pensamentos e as dores que já sentia na cabeça e no corpo em punitiva antecipação aos castigos divinos de um futuro ambíguo. Bebera, bebera, vomitara, bebera, deveria estar melhor, mais leve, mas não era isso que acontecia. Aproveitou o espelho da portaria e ajeitou a gravata enquanto o elevador não chegava. Cheirou-se mais uma vez, confirmando o forte odor de gasolina, especialmente na boca. Lembrou das mãos e se maldisse por ter ajeitado a gravata e certamente emporcalhado aquela sua preferida. Olhou as mãos sujas de graxa. Tentou lembrar o check list: sem manchas de batom, sem marcas de boca no pescoço, não se lembrava de ter sido arranhado ou coisa que tal. Revirou os bolsos e neles não encontrou nada de comprometedor, nem bilhetes nem embalagens de camisinha. [144]

7

A vida é engraçada mesmo: ele nunca havia notado quão gostosinha era aquela fulana da contabilidade, com aqueles olhos grandes e bem verdes, verdadeiras bilhas! E gostava de jogar uma búlica, a danada! E à vera! Riu-se de si mesmo e da imagem evocada. Mais algumas saídas e ele tinha certeza que ela daria a búlica de verdade, inteira, generosa, apertada, viva! No começo é sempre assim, uma coisa entre recatada e safada, uma dama vadia, em que a dama se desnuda e a vadia apenas se vislumbra. Vadia no bom sentido, claro! Que ela era certinha era, mas dava para perceber que gostava da coisa, era só sentir mais segurança. Só se vestia toda fechada, mas a calcinha era sempre minima, daquelas bem enfiadas, pelo que ele lembrava ter percebido. E pensar que tudo começou, para ela, porque queria preservar-se, preservar a virgindade!

5!

Na verdade, ele depois daquela noite passou a acreditar que mulher tinha cio, como qualquer fêmea decente que se preza, mais dentre a família Canidæ. É um comando natural, determinado por sua vez pelo mais forte de todos os instintos, o de preservação da espécie, superior até ao de sobrevivência. A fêmea seleciona um grupo de potenciais pais de sua prole por características de força e outras relevantes específicas de acordo com a seleção natural, e aí copula como nunca para, no período relativamente curto do cio, colher o máximo de material genético. A natureza ditou-lhe o cio, a razão perverteu juízo, como na música, e onde ela guardava sua colheita nada nascia, porque para isso não servia.

3!

Quando o elevador estava ainda no 10º andar veio a vontade de urinar, que nada tinha de surpreendente, depois de tantas cervejas e já se tendo ido ao mictório a primeira vez. É sabido que quanto mais perto estamos do banheiro mais aumenta a vontade de usá-lo, num crescendo galopante, irresistível, levando ao paroxismo do desespero até quase a porta do banheiro e, então, até a privada salvadora, mas sempre se morre, então, na praia e todas as barreiras caem, os limites se rompem, os diques desabam um pouco antes do que seria o ideal. No instante imediatamente antes do oportuno, seja líquido, sólido ou pastoso, escorrerá pelas pernas, inexorável como a morte e como ela, tão previsível, sempre acontece antes do momento certo. Poucas coisas se antecipam ao seu momento adequado e entre estas sobressaem urina, fezes, vômito e morte. A cólica começou.

Ele forçou a atenção para outro assunto, fixou-se obstinado nos seios da colega, presos em um sutiã conservador, subindo e descendo enquanto ela ogefava, buscava o ar enquanto soprava, indo e vindo, para cima e para baixo, desajeitada de pressa, medo, tesão, ansiedade. No mesmo ritmo que ela tocava, ele dedilhava, movimentos circulares, movimentos de penetração e fuga. Lembrou-se, um pouco comovido, que mais fácil foi esgueirar-se pelo zíper aberto de sua calça do que apalpar-lhe os seios; mais dificil foi beijar-lhe os lábios do que ser engolido pela boca dela. Riu nervoso do cacófato e de achá-lo tão bem usado. Boca dela, da boa cadela que o chupou com gosto, destreza e vergonha, mas não quis ser beijada como namorada. Tentou memorizar a idéia para depois melhor refletir, mas seja pela sua porra contida por ela, seja por ela derretida em seus dedos, tudo era líquido em sua mente, chamando sua vontade de mijar e mais.

A culpa, obviamente fora dela, por um ou outro motivo, não importava.

Térreo

O elevador chegou e a porta se escancarou com força, quase brutalidade e de dentro saiu uma mulher enfezada, com uma mala em cada mão acompanhada de um menino de uns 10 anos. Antes que ela quase o atropelasse, só conseguiu balbuciar, corpo curvado, pernas cruzadas, nádegas trancadas, e atônito:

- Boa Noite, Maria!
 
 
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