DESFECHO
Pedro Feitosa
 
 
Depois de alguns dias fora de casa, caminha em direção à sala de estar, seus parentes o recebem com alegria e carinho. O neto mais novo, ainda criança, segura consigo uma flor, que, orientado pela mãe, vai em direção ao senhor e lhe dá um beijo.

O clima é de muita felicidade, ele mesmo não acredita que está de volta ao lar, parece uma bênção: o céu está estrelado, a lua brilha... Tudo parece ter sido previamente combinado pela natureza.

Ela entra na sala, silêncio. A criança, que agora está no colo de sua mãe, derruba o vaso de flores da mesinha, a atenção de todos é desviada. A senhora dirige-se ao senhor e o cumprimenta; a formalidade do gesto não espanta mais os filhos que acostumados com o dia-a-dia do casal, não esperavam outra atitude.

Todos começam a conversar na sala, o ambiente se torna mais descontraído, ele ainda sente seu corpo frágil, pede licença aos familiares e se dirige ao quarto. Ela permanece na sala conversando com a filha.

Agora ele está em sua cama de solteiro, que nem de longe lembra a que dormia no início do casamento. A mulher com que vive hoje não parece em nada com a que se casou, não pela aparência, mas pela personalidade; seu julgamento se dá pelo fato da difícil convivência dos últimos anos: brigas, discussões, conflitos. Estavam num estágio limite de apenas se suportar, não queriam se separar nessa fase da vida, já havia passado o tempo para isso.

Seus olhos miram para as fotografias expostas na parede e num rápido instante lhe vem a mente toda a sua vida: casamento, nascimento dos filhos, festas em família, casamento dos filhos, netos, outras imagens.

Nesse momento, a porta abre e ela entra no quarto, os filhos e familiares já foram embora; veste suas roupas de dormir, acende o abajur. Ele a observa enquanto se organiza, ela não percebe. Como de costume, após se deitar em sua cama ela vira para ele e lhe diz boa noite, ele, num tom formal, responde: "Boa noite, Maria".

No outro dia ele não acordou.

 
 
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