NÃO
OUVINDO MARIA
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Paffomiloff
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Quando
planejei assaltar a casa de Maria, não esperava que houvesse qualquer morte.
Ela morava nos arrabaldes da central, era obviamente judia, como chancelavam as roupas. Sabíamos que era velha, apenas de ouvir falar, pois não parecia. Não mesmo. Sentada à varanda de sua meia água, cumprimentava amavelmente os transeuntes. Apresentei-me a ela como sendo Jorge Luís, vendedor de bíblias, e ela sorriu, dizendo apenas: - Este material não faz juz à memória de meu filho. Mas eu não escutava o que ela dizia - antes o tivesse feito - pois minha atenção sorrateira perscrutava, pela porta entreaberta, a obscuridade da sala de estar. - Ele voltará - insistia ela, à maneira dos solitários - quando houver um motivo. - Quem voltará? - perguntei discretamente, focalizando na estante, um cálice dourado, repleto de um líquido vermelho. - Meu filho voltará. Quando lhe deram um motivo. * * * Aproveitamos a noite em que um grupo de sete músicos suburbanos tocariam jazz num barzinho local. O barulho distrairia a todos. Éramos três, ao todo: Gogó (eu), MaisGogó (meu filho, infelizmente um assassino) e Babiding (uma ex-prostituta, agora nossa sócia). - Tomem - disse Babiding, distribuindo nossas máscaras - meia pra você, meia e meia. Tudo de náilon. Quando o primeiro músico tocou seu trompete, arrombamos a casa. Babiding e meu filho se encarregaram de amarrar a velha, que, antes de ter os lábios lacrados pela silver tape, apenas gemeu algo como: - Não dêem motivos para meu filho voltar... MaisGogó vibrou-lhe um soco na boca do estômago. Odeio violência desnecessária, lamento que meu estilo de vida tenha libertado a selvageria de meu filho, que puxou uma faca. - Boa noite, Dona Maria - disse ele, completando o serviço. Babiding avançou para o quarto, onde deveriam estar seus valores mais caros. Estacou subitamente. - Turma - sussurrou ela - tem alguém lá dentro. Eu saquei a trinta e oito. Poderia atirar quando quisesse, que ninguém ia escutar, pois já quatro trompetes ensurdeciam a rua. Apesar da penumbra da casa, uma tênue luminosidade filtrava pelas frestas da porta do quarto. - Babiding - pedi - vá guardar a entrada. - Cuidado - retornou ela, passando a mão pelo meu braço, acendendo uma idéia que nunca tivera, no decorrer de anos do nosso relacionamento profissional. Meu filho tomou posição junto à entrada, enquanto eu chutava a porta. - No chão! - gritei - mãos na cabeça! Impávida, de costas para mim, uma figura de vastas cabeleiras olhava pela janela. Os sete trompetes tocavam furiosamente, enquanto o céu se iluminava por uma chuva de estrelas cadentes. Ergueu sua mão comprida e morena, horrivelmente ferida na altura dos metacarpos. Eu deveria ter ouvido Maria. |