OLHARES
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Lena
Chagas
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De
repente, sinto que estou sendo observada. Sensação estranha. Não é como
das outras vezes, indiferente. Por instantes, tenho idéias fantasiosas e
flagro um sorriso fugindo de mim. Por pouco não chego a uma sonora risada.
Contenho-me.
Retomo o que vinha fazendo, mas é inevitável... meus olhos desviam naquela direção e os encontro lá, negros e expressivos, parecendo me procurar. Ele quase não pisca e suas sobrancelhas exprimem um ar ingênuo, quase infantil. Ora me espreita, ora me encara. Será que espera alguma atitude minha? Com um leve sorriso nos lábios, ele apóia o queixo em uma das mãos e chego a pensar que vai dormitar ali mesmo. Insisto em ignorá-lo mas percebo que já estou sendo repetitiva. A concentração me foge mas com o canto dos olhos, espero a sua próxima reação. E a essa distância posso ver cada detalhe, cada movimento. Tenho a impressão de que algo lhe chama a atenção, em outro lugar, e até sinto um certo alívio, com isso. Respiro fundo e em poucos segundos esqueço da sua presença. Mergulho em meus pensamentos mas, de súbito, escuto: "- Boa noite, Maria!"! Escuto? Como, se ele não é de falar? Nunca o foi! Estou delirando? Ouvindo coisas? Todas as vezes que venho aqui, são seus olhos que falam comigo! Mudos! Ou eu estive surda, até agora? Desta vez, eu ouvi! Tenho certeza! E enquanto finjo não ter escutado coisa alguma, ele faz um movimento brusco e me joga um olhar tão intenso e interrogativo, que seus olhos parecem querer pular de seu rosto e levar uma resposta de mim. Mas foi só impressão minha, em seguida ele volta àquele olhar terno e sonhador, roubando toda a minha atenção, de novo! Não resisto ao seu jeito de coçar a cabeça e colocar os óculos. Dou um sorriso seguido de outro, e já estou às gargalhadas quando suas sobrancelhas sobem até a metade da testa! É hilário! Já perdi completamente a concentração e parece que ele percebe, pois seus gestos passam a ser mais ousados. Exibicionista! Olha de um lado para o outro e, sem qualquer cerimônia, vira-se em direção ao que estou fazendo. Parece espantado. Será que eu o assustei? Fico olhando para ele, por alguns segundos, e seu olhar pára no meu, mais uma vez. Coincidência? Desvio meus olhos mas sinto que os dele continuam me seguindo. Pouco depois, num gesto inusitado, ele se espreguiça como se dissesse: "Cansei!" Penso que vai embora. Mas quase imediatamente, fixa os olhos no chão e se abaixa, como se fosse pegar alguma coisa. Volta num salto, parecendo um contorcionista e seus olhos já estão a postos, nos meus! Círculo vicioso. Deixo de olhá-lo por alguns minutos e, de repente, ele chama minha atenção para o lado oposto ao que estava até agora. E tudo recomeça. Repete gestos lentos e gestos largos, rápidos e imprevisíveis. Às vezes impaciente, em seguida, sonolento. Outras vezes irônico e depois, carinhoso. Até desdém, ele sabe muito bem como demonstrar. Mas ele está sempre ali, me olhando, insistentemente. Doce e provocativamente. Juro que já preferi não vê-lo, por aqui. Até desejei que ele sumisse, de vez, pois a sua presença sempre tira minha concentração, perturba meu sossego. Mas hoje foi diferente. Foi como se o tivesse visto pela primeira vez. Eu o vi com outros olhos e nos seus olhos. Como numa descoberta, quis ver todos os seus movimentos e ri muito das suas reações, nem todas reveladas aqui. E confesso que ele me conquistou. Fazer o quê? Ele é muito simpático, muito divertido e irresistível! Vou deixar que ele venha sempre que quiser e não vou estranhar se ele ainda me disser "- Boa noite, Maria!", quando eu abrir ou fechar o Word! Afinal, esse Clip, do Office, só falta falar, mesmo! |