A
FILHA DA MÃE
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Fernando
Zocca
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Tal
qual a Pedro que num ímpeto de cólera lançou ao solo os laços que o uniam
à Coroa, Margarreta atirou ao chão sua inseparável agenda preta; espumando
aquela gosma branca pelos cantos da boca, arregaçou as mangas e arremeteu
contra o ofensor bairrista. Ao enlaça-lo com seus tentáculos longos, premeu-lhe
o antebraço direito pela bocada forte.
Naquele momento não temeu as conseqüências do Art. 129 do Código Penal. Antes regozijou-se com a extremada capacidade maceradora da sua dentadura nova. O bafafá foi geral. Acalmados os ânimos pode Marga pensar calmamente sobre o que havia feito. Colocara em perigo toda notoriedade da sua família. Isso seria extremamente desonroso. A não ser pelo que se referia a sua sogra. Por ela poderia desabar o universo. Foi pensando assim que se lembrou de certa ocasião em que quis pregar um susto na velha. Aproveitou aquela tarde em que todos dormiam, e com o filhinho que já falava as primeiras palavras, na garagem, chamou o cãozinho da sogra. Fez com que ele se deitasse entre suas pernas e dizendo para o neném "chama a vovó bem. Chama", fazia agrados no quadrúpede. Depois de quase uma hora nesse exercício de condicionamento pode humilhar a velha que aterrorizada e pasma percebia quando o cão se aproximava da criança toda vez que ela chamava pela avó. Margarreta não era fácil. Era bem maldosa. Histrionista folgava em convencer seu vizinho de que se passasse com sua bicicleta defronte a casa da octogenária e disparasse três vezes a campainha, teria sorte no emprego. O pré-letrado sabia que se tratava de uma simpatia pra não perder o trabalho. Mas não poderia jamais saber que o som da sineta evocava na provecta senhora os três filhos adulterinos do seu sofrido e falecido marido. Margarreta era foda. Recordando sobre as causas daquela briga lá na rotatória com o intrujão nazista, concluiu que suas idéias de atribuir toda a riqueza e felicidade de alguns à miséria e sofrimento de muitos, não tinha procedência nos dias de hoje. Naquela noite a lua estava cheia no horizonte. A luminosidade sugeria amor e prazer. E foi com alegria e os braços abertos que recebeu o marido. Ele chegava no seu carro verde gosma para alegria também do velho cachorro frenético. |