Estavam trafegando
em um coletivo compacta e densamente preenchido pela massa corpórea daquelas
substâncias freguesas e usuárias.
Em dado momento azarado, houve por bem a loucura ou imperícia ou quem
pode saber a imprudência, ocasião para lançar corpo contra corpo resultando
tal impacto de veículos numa queda no corredor central.
O alvoroço e a gritaria causada pela colisão foram sentidos por centenas
de metros adiante. O congestionamento da via de acesso a uma saída estratégica
do bairro operário pimpão causou comoção e angústia também na madame,
que no carro ao lado, com o cãozinho no colo, sentiu a quentura da sua
urina.
A correria de gente pra lá e pra cá evocava um formigueiro dolosamente
cutucado.
Ambulâncias mil, viaturas das milícias civis e militares, caminhões do
corpo de bombeiros, peruinhas das rádios FM e AM agregaram-se no sítio
da trombada.
A busca por feridos e corpos lembrava aquele corre-corre que segue sempre
aos terremotos ou inundações ou até mesmo aos desabamentos graves.
Mas dos escombros eis que sai toda faceira a velhota espanando a poeira
do seu surrado, porém limpo vestidinho. A galera apreensiva liberou a
tensão toda num oh! comovente ao ver a vovó ali trigueira.
A aglutinação em torno da vítima somente tinha como similar a aglomeração
que ocorre junto ao goleador do time campeão dos campeões depois de derrubado
por violenta paulistinha na coxa esquerda.
A vovozinha que sempre sofrera com a prisão de ventre, naquele momento
percebeu que algo pastoso, úmido e quente escorria-lhe pelas pernas.
Segurando firmemente o punho esquerdo com a mãozinha direita, comprimindo
as coxas e respirando arfadamente pela boca entreaberta, notou a anciã
aquele populacho todo que vinha em sua direção.
A infeliz recordou aquele momento em que, quando criança, no seu primeiro
e único dia de grupo escolar, quebrou os óculos do diretor apopléctico
que fazia sua preleção inaugural para aquela classe iniciante.
Gelada pelo susto, molhada pela liberação inesperada do jantar anterior
metabolizado rapidamente, a velhinha conseguiu o amparo no cobertor novo
que lhe oferecia o oficial diligente.
Depois de preenchidos os papéis usuais foi orientada a procurar por alguém
que deveria incumbir-se de pedir uma indenização por aqueles transtornos
todos.
Com o seu coraçãozinho complacente e caridoso achou que deveria perdoar
todos os prováveis culpados por aquele incidente infeliz.
Mas um genro seu ébrio e necessitado de verbas específicas que se destinariam
a cobrir os gastos pelo consumo de caninha no botequim da esquina, moveu
paus e pedras para que a venerada sogrinha contratasse patrono.
Além disso, o borracho providenciou também o auxílio das entidades espirituais
e evangélicas na cobrança do crédito, mobilizando os centros e colocando
o nome do devedor nas listas dos pedidos de orações e preces.
Atestados mil, irreais e inconseqüentes, forneceram um princípio de prova
comprometedora.
Depois de anos de luta no Judiciário, e de assédio moral ao devedor, a
vovozinha obteve o reconhecimento das suas razões. A base estava, porém
inserida em premissas falsas. E da mesma forma com que um prédio ao ser
construído sobre a areia, inapelavelmente vem abaixo, toda aquela pretensão
jurídica fundada em inverdades, veio no seu devido tempo, ao chão da realidade.
Para que pudesse relaxar e se livrar do estresse, aceitou as sugestões
que lhe faziam suas noras e viajou então para Pitiboigaga, localizada
no Km 312 mais 500 metros da rodovia Pedepavão, onde havia chácaras excelentes
nas quais se praticava o pesque e solte.
Sua maior e inesquecível alegria naquele local ocorreu quando capturou
um abissal e assombroso bagre cabeçudo que soltou logo depois de fisgado.
E assim tudo então voltou ao que era antes no quartel do Abrantes.
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