SUGESTÃO PARA O FIM DA GUERRA
Ana Peluso
 
 
- Eu tenho uma sugestão para o fim da guerra.

Assim começou o discurso do João, logo após o churrasco na casa da Maitê, domingo passado. Todos bebendo e rindo alto. Ninguém lhe deu muita atenção, até que ele subiu na mesa, os pés cobertos por tênis imundos – o horror para Dna. Dirce, mãe da Maitê – e gritou em alto e péssimo som:

- Eu tenho uma sugestão para o fim da guerra!

Todos emudeceram e o olharam. Até porque Dna. Dirce levava as mãos ao peito e quanto mais rápido ele falasse, mais rápido desceria da mesa que ficaria com a toalha emporcalhada pelos seus tênis.

- É simples acabar com a guerra. Partindo do princípio que tudo tem um preço, porque os Estados Unidos não oferecem uma graninha pro Bin Laden desaparecer do mapa, em vez de bombardear Cabul?

- Acabou? – peguntou Vera, que vive em estado de amor e ódio eternos em relação ao João. Todos desconfiamos que o ódio se deve aos tênis, sempre imundos, que ele insiste em usar nos finais de semana. Mas como nenhum de nós tem certeza, ninguém fala nada com ele.

- Não, meu bem, é Cabul. O nome da cidade é Cabul.

Vera enche seu copo de cerveja até a boca, e olhando pra cima, bufa, brinda um ente invisível e entorna tudo de uma só vez.

- É simples, gente! Como ninguém pensou nisso antes? Vou falar com o Bush! Alguém tem o e-mail do Bush? Ou o telefone? – e sem esperar pela resposta, continua sua emenda antiguerra, olhos vidrados pela descoberta. – Vou dizer para ele, que em vez de gastar milhões na captura do Osama, ele deve oferecer dinheiro para o próprio se apresentar, com garantia de vida, etc. Se precisar, a gente empresta o Alckmin para ele. Sabe como é, garantia de vida... Não entendo como não pensaram nisso antes? Todo esse armamento, guerra bacteriológica, mortes de civis... Tudo isso e basta uma graninha, e o cara vem correndo... O Bill Gates pode emprestar algum também, afinal a empresa dele está situada nos Eua e não acho que ele gostaria de ver sua posição de segundo homem mais rico do mundo - perdendo apenas para Robson Walton, por um ínfima diferença de dez bilhões de dólares - ir para as cucuias...

- João, o Osama Bin Laden é milionário, cara! Você acha que ele está atrás de grana? – se intromete o Pufe.

Chamamos o Carlos de Pufe, porque toda vez que tem jogo de futebol, ele se deita com a barriga pra cima, perna direita apoiada na esquerda, e a mulherada (tia, sogra, mulher e filha) apóiam suas pernas cansadas do almoço de domingo em cima das dele. Ele só muda de posição no segundo tempo...

- Cala a boca, Pufe! Claro que sei que ele é milionário! Mas você já viu milionário que não queira um a mais? É sempre pouco, meu amigo. Se oferecerem metade do que vão gastar nessa droga de guerra, pro cara, ele se entrega... Ah, se, se entrega!... Claro que tem de ser na confiança. Sei lá... O papa pode intermediar o negócio...

- Não mete a Santa Madre Igreja no meio disso! – aparta Dna. Dirce, já antes nervosa pela bagunça da mesa, agora em ponto de estouro total. Cabul!

- Tá bom, tá bom. Então a gente pode sugerir outro líder espiritual...

- Mas cara, o pessoal já briga por causa de religião e você quer meter líder espiritual no meio?

- Mas tem de ter um líder espiritual, senão ele não confia – Beatriz fala, olhando para todos, como quem acaba de ter o cérebro lavado por detergente. Só faltaram bolhas de sabão saírem por seus olhos.

- Tá vendo? A Bia pegou o negócio! É isso mesmo. Vou telefonar pro Bush, mas antes vou registrar os direitos autorais, porque isso pode dar prêmio Nobel.

- Tá, então sai de cima da mesa, que você ta bêbado, e vai acabar caindo daí – e Pufe estende a mão pro João, cujos olhos brilham, vislumbrando fama mundial, dada a idéia que teve. “Genial... genial...”, não parou de repetir a si mesmo até a hora de ir embora, escoltado e amparado por Pufe.

João não foi trabalhar no dia seguinte. E nem nos outros. Apareceu sexta-feira no escritório. Olhos de quem não dormira nas últimas mil horas, barba por fazer e sem gravata.

Foi chamado pelo gerente de recursos humanos na sala de reuniões. Não podia continuar assim. Uma semana sem dar as caras e sem aviso algum. Por um acaso ele sabia o prejuízo que estava dando à empresa? Só não seria despedido, porque a empresa era sua mesmo, mas tinha de ser mais atento. Tinha de dar o exemplo. Era por causa da Vera que estava assim, de novo? O que era?

- Nada não Nestor. É verdade que estou deprimido. Não tenho como negar... Mas não é pela Vera, não...

- Então, o que aconteceu, homem de deus?

- É que passei a semana inteira tentando falar com o Bush, e...

- Como é que é? Você ta louco, João? Como falar com o Bush? Você acha que o Bush, em meio a uma guerra, vai falar com você, que mal fala inglês?

- Mas ele falou...

- Como assim? Falou? – Nestor arregalou os olhos. João devia estar com algum problema sério e não queria contar. Só podia ser isso.

- Falou. Atendeu ao telefone, depois de eu insistir muito que não era terrorista, e que tinha uma idéia para terminar com a guerra.

- E daí? O que ele disse?

- ...

- Fala homem!

- Bem, ele disse que se eu ligasse novamente lá, com idéias de solução para alguma coisa, ele ia colocar minha foto junto com a do Osama, nos jornais. Eu seria caçado pelo mundo todo...

- E você está deprimido por isso, cara?

- Não exatamente.

- Como não exatamente? O que mais você aprontou? Bem que seu pai me pediu para cuidar de você... Eu só não imaginava que seria para o resto da vida...

- É que ele me disse que já tinha tentado a mesma coisa, há alguns dias e o homem não queria saber de dinheiro, não. É um milionário...

- E daí, eles que são brancos, quer dizer, metade deles... Que se entendam!

- É, eu sei... Mas pensei que a idéia era inédita, entende? Que apenas eu tinha vislumbrado a possibilidade disso acontecer.

- Você tá deprimido pelo teu ego, cara! Não acredito nisso!

- Não, meu amigo, tô deprimido porque o advogado me cobrou uma nota preta, para registrar a patente da idéia. O que significa que você tá sem emprego e eu também. Ele me disse que por se tratar de uma idéia que poderia mudar o rumo do terceiro milênio, o registro ia sair caro. Mas valeria a pena. Caso eu recebesse o Nobel da Paz... Eu teria, de certa forma, tudo de volta e mais algum. E se não recebesse prêmio algum, ficaria famoso e uma foto minha custaria uma fortuna na primeira capa de qualquer revista ou jornal.

- E você acreditou nele???

- Acreditei.

- E agora?

- Ele sumiu. Ao menos é o que tudo indica. Já telefonei pra casa, pro escritório, pra casa da amante. Ninguém sabe do homem...

- Mas como você é ingênuo, João!... Acreditar em advogado... Só você mesmo...

- É... pra você ver... A gente quer ajudar, dar uma sugestão, e além de ser ameaçado de ficar com cara de terrorista estampada na tv, ainda perde uma grana lascada...

- Foi muito?

- A empresa... – João fala baixo para não ter de ouvir a própria voz.

- Como? Não entendi. Quanto você gastou?

- A empresa.

- Você ta louco, João?! Você jogou a empresa no lixo... E quem é o cara? O advogado?

- O tio da Vera.

- E porque você não fala com ela?

- Ela sumiu também... Não consigo achar a Vera desde domingo passado, quando ela me deu o cartão dele, no churrasco que teve na casa da Maitê... A tia dela disse que ela deixou um bilhete, onde avisava que ia viajar e não sabia quando voltaria, mas que não ia ficar pra titia, apenas por causa de um tênis imundo. A tia disse que não entendeu muito bem o recado. E, agora, Nestor?

- Agora, meu filho, além de pobre, tu vai é ficar solteiro por muito tempo.

 
 
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