O
JOIO
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Fernando
Zocca
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Quando
era criança e já bastante gordinho, a molecada do bairro zoava-me todo quando
num pique pelo quarteirão, eu sempre chegava por último.
A gozação era geral quando todos subiam na jabuticabeira e eu não podia nem ao menos passar pela segunda forquilha. Confesso a você que nem mesmo escada conseguia descer. Eu próprio sentia compaixão por minha pessoa. Vá vendo... Mas do rio então nem é bom falar. Todos chegavam correndo às margens e aos saltos entravam n'água. Saiam nadando, enquanto que eu afundava igual à âncora. Diante desses fatos então fui ficando assim meio caseiro, inferiorizado. Aquele senso de dessemelhança que se apossa do fofinho que vive num grupo de magros, obrigou-me a desenvolver a inteligência agressiva e a astúcia exuberante. Eles não contavam com minha astúcia. Passei a escrever poesia quando estava supergamado e não tinha coragem para declarar meu amor. Os dias foram sucedendo-se e eu ficando cada vez mais velho. Comecei a fumar. Pensei que fosse emagrecer com o tal hábito. Mas que nada. A adiposidade em meu corpo aumentou de tal forma que eu já não conseguia mais ver o biribiguá. Mas, também pelo tamanho com que ele se apresentava, seria melhor mesmo que eu nem me lembrasse da sua existência. Era humilhante. Reuni minhas poesias em alguns livrinhos xerocopiados e passei a oferecer às pessoas. Houve certa aceitação. Pelo menos em tais contatos sociais não haveria tanto rebaixamento. Eles se davam sob assuntos intelectuais e não por desempenhos físicos. Até ai tudo bem. Não encontrei nenhum concorrente que me pudesse fazer sombra. Reinei só durante alguns anos em nossa comunidade, sendo conhecido como Catão o poeta. Mas, você sabe como é: precisamos fazer algo de útil e remunerado durante essa nossa passagem pela terra. Se não como sobreviveremos, não é verdade? Ingressei então pelo poder e graça dos grandes padrinhos, e por que não dizer, por minha capacidade intrínseca também, no serviço público municipal. Meu salário era ruinzinho. Era tão minguado que me impedia de ver, e nem via mesmo, outra alternativa para reforçar o orçamento, do que a aceitação de bolas. A corrupção a que me submetia, quero deixar bem claro, não era prejudicial ao empregador a ponto de o fazer instalar uma CPI e nem de me defenestrar do meu cargo. Tudo era muito leve e sutil. Espirituosamente sutil. Os anos passaram e agora, curto a diabetes, responsável pela minha disfunção erétil. Estou careca, gordo e com o bimbo mole. Mas escrevo minhas poesias. Gosto ainda de contar mentiras e escamoteadamente apontar os defeitos alheios. Nada mal para quem era um gordinho com nádegas flácidas e sem futuro. Não é verdade? |