VIVER,
DEIXAR VIVER
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Tania
Crivellenti
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Acho
que nós brasileiros estamos mal acostumados, falamos mal do Brasil o tempo
todo. Eu sou assim, confesso, "mea culpa". Acho que pecamos nos
detalhes, nos esforçamos demais para fazer as coisas bem feitas e deixamos
o caninho de água do chafariz aparecendo, com mais uma pedra o trabalho
ficaria perfeito.
Mas nos últimos tempos tenho sido obrigada a admitir que não é bem assim. Na minha adolescência, os Estados Unidos eram o máximo, tudo que vinha de lá era hipoteticamente superior, tecnologicamente perfeito, incrivelmente seguro. Mesmo porque pouca coisa chegava aqui. O sonho das TVs por assinatura era uma imagem distante e magnífica, imagina, estar livre da Rede Globo! Um delírio distante. Mas a recente história da eleição americana foi um dos motivos do meu desencanto, ou melhor, da queda na real, figurativamente falando. Que grande fiasco, e ainda conseguiram depois de milhares de letras em jornais, linhas em revistas, páginas na Internet, bla bla bla pelos tele meios, eleger o mais limitado dos QIs de todos os tempos! Se minha opinião valesse alguma coisa eu usaria um fino ditado da minha bisavó: ciscou, ciscou, escolheu, escolheu, e caiu na merda (sorry!). E nossas Brasileiríssimas eleições deram de mil a zero. Urnas eletrônicas, sem bagunça, sem demora, sem erro. Fiquei orgulhosa. E a tal Rede Globo que sempre abominei tanto. Tem lá os seus defeitos, e para mim, não são poucos, o poder sendo o pior deles. Mas não dá para negar, o profissionalismo e a organização é e sempre foi impecável. E o pior é que nunca imaginei que isso não fosse o mínimo ! Agora estou às voltas com as tais TVs por assinatura pelas quais salivei imaginativamente durante tanto tempo.. que grande decepção! Será que sou só eu que acho aquilo coisa de gente louca? Meu marido costuma dizer que tem um único cara para as 5 principais redes de seriados. Que elas ficam todas em um só andar e o (único) funcionário vai (calmamente) de uma para a outra descoordenar as coisas... Eu já acho que o questionário para contratação prevê a seguinte questão: Conte até 10. Se a pessoa responder: 1,
2, 3, 4, 5, 6, Já
se ela responder: Coisa de louco. E as propagandas então. Repetem as mesmas mais de seis meses a fio, todas elas em todo o intervalo. Sou capaz de repetir textos inteiros, e estando ouvindo os textos imaginar a parte visual, cena por cena. E legal é quando eles anunciam o programa que será passado na segunda-feira, e estamos na terça ! As chances de você guardar o programa durante uma semana inteira são nulas. A Globo é tão certinha. Ela fala o que vai passar, na ordem certa. A cada intervalo os anúncios dos programas futuros mudam, então os intervalos não ficam tão longos nem tão freqüentes. As novelas são passadas na ordem certinha, ninguém pula capítulo, muda de ordem, volta para trás, essas coisas. E que legal, quando tem um pedaço na série onde fica tudo preto, que os produtores de série fazem especialmente para se colocar intervalo, entra o intervalo! Ah! E eu achava que isso tudo não passava de bom senso! Detalhes óbvios! Que ilusão a minha... eu adoro desenhos, mas aquele canal de cartoon é para deixar qualquer criança alucinada. Eles falam: "continue assistindo Tom & Jerry", e começa a passar "Os Flinstons". E nem vou falar dos locutores. Me recuso. E as novelas, eu abomino novelas, em qualquer língua, de qualquer tipo, mas além da produção brasileira ser excelente, sem entrar em mérito de conteúdo, as nossas novelas têm começo, meio e fim. Aqueles "Days de não sei das quantas" americanos ficam anos e anos e anos e anos acontecendo! Acho que tem criança que nasceu, cresceu e vai morrer naquelas novelas! Aquilo é que é "Soap"! Fico indignada. Só porque gosto de ficção científica estou condenada a um sofrimento insuportável para gente que é organizada: as TVs americanas... ai ai... E depois, como já ditam as internacionais ironias "internetetianas": "Ver os EUA massacrado por gentinha de terceiro mundo.... não tem preço". Eles que são heróis e infalíveis em todos os livros e filmes, que são invioláveis, inatingíveis, superiores... E nós, o povinho, que assistimos os tais prédios ruírem, abismados em nosso horror, apavorados por sermos sempre tão empáticos, não com o Povo Americano, mas com qualquer ser humano do mundo. Porque por mais que haja preconceito no Brasil, por mais que exista gente mesquinha e pequena. Os limites aqui são ditados muito mais por condições sócio-econômicas do que por cor, raça, religião ou nacionalidade. Os pobres sofrem sim, mas os apresentadores de TV e pagodeiros e jogadores de futebol são os exemplos visíveis de que estamos adiante deles, bem adiante. Olhando nas universidades você vai ver gente de todos os tipos, eu conheci hindus, judeus, argentinos, russos, cubanos, mexicanos, gente de todo mundo que adorava vir ao Brasil, simplesmente por serem bem-vindos e admirados por seu trabalho. E porque aqui podiam se relacionar. Alguns casos específicos de estrangeiros vivendo nos Estados Unidos, que amam o Brasil por não serem discriminados aqui. Nada, nem as imagens dos prédios caindo, nem o fogo, nem o povo correndo, me horroriza mais do que saber que eles estão atacando seus próprios cidadãos, seus vizinhos, seus colegas, por causa da loucura... O Brasil é cheio de gente errada, como na minha cidade, onde mataram o único prefeito que parecia promissor, bem no dia fatídico. O Brasil faz tudo pela metade, não investe nas ferrovias, está cheio de "malufes e barbalhos", e gente que vota errado. Mas como disse um policial italiano aos berros para seus subordinados, depois que eles confiscaram a câmera fotográfica da minha amiga (só porque ela tirou uma foto da segurança do aeroporto de Roma): Terrorista Brasileiro! Vocês ficaram loucos???!!!!!!!! É. Podemos reclamar muito mas não podemos negar, que filosoficamente, o Brasil é um país que vive, e deixa viver. |