A ALUNA DE LITERATURA
Rosi Luna
 
 

Era uma menina de sete anos, de cabelos castanhos e com cachos na ponta, que brincava de bonecas, como as outras garotas da sua idade. A única diferença, é que ela criava suas próprias histórias, inventava príncipes e castelos. Sempre que folheava um livro infantil, podia fechar os olhos, e imaginar tudo acontecendo. Ela lia e brincava muito, a infância era pra isso. Livros e brinquedos, na mesma proporção.

Lorena era o seu nome, e foi dado por seus pais em homenagem a uma cidade do interior de São Paulo, que eles nunca conheceram, mas acharam o nome bonito. Com o tempo, a menina foi tomada por uma vontade desenfreada de escrever. Ela escrevia bilhetes e cartas lotadas de desenhos de coração, e marcadas com beijos de batom no fim.

Uma variedade de meninos da classe do colégio, se apaixonavam por sua doçura, por suas palavras e por seus versinhos que nem sempre rimavam. Ela nem era tão bonita assim, mas tinha algo que encantava os garotos. Foram muitos bilhetes, de meninos perdidamente apaixonados, endereçados a frágil menininha. Ela sempre respondia a cada um, com algumas palavras que pareciam tolas, mas que no fundo eram bem verdadeiras e tinha também um pequeno mimo no fim. O beijo de batom, no final do bilhete, fazia o garoto sonhar beijando no espelho por uma semana. Ela percebeu que era a fantasia que movimentava a cabeça masculina, não era o beijar em si, mas o "sonhar" com o beijo.

Lorena foi crescendo, com laços e sem embaraços. Tomou corpo e virou uma mocinha confusa. Os sonhos eram muitos desconexos, ela nunca soube dicernir suas aspirações. Era imatura, queria tantas coisas ao mesmo tempo. Foi crescendo e tudo que estudou, não a levou a lugar nenhum. Lorena queria ser escritora, mas não existiam escolas pra essa profissão. Todas as belas colocações gramaticais que aprendeu, não lhe mostravam como usar o poder das palavras para deixar um leitor hipnotizado. Na escola também não se fazia poesia ou prosa. E toda vestida de rosa, sonhava só em passar na prova.

Lorena procurava um "mestre em literatura",mas todos que ela admirava já tinham ido dessa vida pra outra e não poderiam ocupar o tal cargo. Uma amiga contou que tinha lido sobre a terapia do "mestre na parede", era uma coisa inacreditável, imaginar um mentor entranhado nos tijolos de uma parede e que dali ele iria fazendo uma assessoria prática. Ela era cética e teimosa, acreditava naquilo que podia ver e que podia tocar. E não em paredes, que pudessem ter um mestre dentro, esbaforido e sem ar e ainda por cima querendo ajudar uma aspirante de escritora.

Mesmo com toda sua descrença no impalpável, resolveu testar a tal parede, ver se conseguia sentir a tal vertigem e a tal presença erudita do "mestre". A pasta com seus escritos, estava ali em cima da mesa da sala, bem ao lado do jarro de rosas vermelhas. E ela perdida em pensamentos, sem ter a quem mostrar. Onde estaria o tal mestre? Como revelar pra alguém, aquele monte de papéis sem sentido, e dizer que aquilo era uma vida toda de idéias que nunca viravam livros. Ali eram sentimentos vivos e os livros estavam tão frios, que ninguém se interessaria na leitura.

Resolver preparar o corpo e o espírito para o tal encontro alucinatório, a pele deveria estar sensível e perfumada. Tomou banho com sabonete de maçã, se preparava para o que uma pessoa de língua ferina denominaria de "pecado da carne". O vestido escolhido era de um tecido leve e branco, a contra-luz daria pra ver os contornos do corpo.

Começou a acariciar a parede, queria sentir se ali habitava o tal "mestre de literatura" que poderia lhe ensinar as palavras certas. Primeiro a temperatura do corpo foi subindo, as maçãs do rosto já estavam quentes e coradas. Em seguida era como se a parede que antes era áspera, fosse se tornando um veludo bom de acariciar. Fechou os olhos e foi sentindo um cheiro de pele masculina, era uma sensação de "viver e deixar viver" aquela elucubração em todo os seus poros. A posição de bruços na parede facilitou a presença daquelas mãos bem no meio das suas coxas. Se era alucinação, que fosse bem-vindo esse fantasma de mãos tão penetrantes.

Os corpos se envolveram em um movimento helicoidal e foram tomados por um cheiro de álmiscar misturado com especiarias. Um incêndio corporal com direito a um gozo convulsivo e com uma filigrana de ouro, incenso e mel nos beijos que trocaram. Sim, tinha um "mestre" ali na parede da sua imaginação, ele não lhe ensinou sobre vocabulário, mostrou intensidade e profundidade, foi assim que a "aluna de literatura" comprendeu o significado da arte de escrever.

O "mestre de literatura" lhe ensinou a sentir as sensações até onde a vista não alcançaria e ela soube que o livro que estava para ser escrito, não seria produzido com palavras estáticas como uma parede. O "sentir" era uma sensação elucidativa, que só escritores poderiam ter, ela estava com as mãos trêmulas, descobriu o que tanto procurava. E como uma pianista, começou a dedilhar com musicalidade, as primeiras palavras do "seu livro", ela já não se sentia aluna, agora era "escritora".

Sentir, sentir, sentir, é isso. Essa é a fórmula para escrever.

 
 
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