RATO DE LIVRARIA
Luís Valise
 
 

A coisa que eu mais gostava era entrar numa livraria e ficar fuçando todos aqueles livros que contavam histórias que eu queria ouvir. Amores infelizes (ele era pobre), romances onde todos viviam felizes para sempre (ficção), espiões que com um clipe e uma esferográfica construíam ou destruíam uma bomba de hidrogênio (altos e louros), biografias dos construtores do mundo (seres perfeitos), poesia, muita poesia (seres infelizes), sagas de navios que enfrentavam o diabo em alto mar (o comandante era alcoólatra), de aviões que trepidavam incólumes por nuvens de chumbo (o piloto bebia escondido), carruagens puxadas por corcéis negros com arreios ajaezados (princesas, perfídias, perigos), amigos que levavam tiros protegendo o amigo (amigo é pressas coisas?), amigas (solteiras) que amavam o marido da amiga, maridos loucos pelas cunhadas (solteiras), gerentes (de bigodinho) de bancos que davam desfalques, ladrões que eram presos no fim (antes de gastar a grana), mordomos que levavam gritos, maus-humores e a indefectível culpa, maridos que voltavam da guerra (mancando), namorados que partiam para a guerra (sorrindo), mulheres que acreditavam que ele havia morrido e se casavam com outro, homens que voltavam saudosos e encontravam outro na sua cama (de camiseta), homens que pegavam o filho no colo pela primeira vez, mulheres que tinham filhos com a ajuda da vizinha (e uma bacia com água quente), índios que sabiam quantos cavalos haviam passado, e há quanto tempo haviam passado, índios que sabiam a altura de um homem pela sua pegada, batedores que seguiam os rastros dos índios, índios que falavam por sinais de fumaça, que imitavam o pio da coruja, gelando o sangue dos sentinelas, todos os índios que morreriam no final, de mocinhos que cuidavam de um urso doente e depois de anos eram salvos da morte pelo mesmo urso, de amigos de infância que voltavam a se encontrar depois de adultos e um era polícia e o outro se tornara bandido, e o dilema de prender ou não nos enchia de dúvida (e nos fazia pensar), e a dúvida se acabava quando o amigo mau morria (e nos fazia pensar). Armazéns da alma.

Onde foram parar essas livrarias? Onde encontro agora o prazer e o sonho? Paro diante da vitrine e vejo ressabiado o que querem de mim: que eu “Seja Feliz em Dez Lições”, ou “Ejaculação Precoce: Endureça Sem Perder a Ternura”, ou “Ereção É Uma Moleza!”, ou “No Fundo, No Fundo, Tudo Não Passa De Um Útero”.

Juro. Se eu soubesse escrevia meus próprios livros: “Seja Ridículo Sem Medo”; “Mostre Sua Ignorância (ninguém vai perceber)”; “Covardia – A Arte da Sobrevivência”; “Ninguém é Bom de Cama – Nem Você” . Não gosto de enganar ninguém.

 
 
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