COMO NOSSOS PAIS
Luís Augusto Marcelino
 
 
O que mais me incomoda quando penso no choque de gerações é a constatação de que o Belchior - cantor e compositor cearense que se projetou nacionalmente há alguns anos - estava absolutamente certo ao afirmar que, "apesar de termos feito tudo o que fizemos, ainda somos os mesmos e vivemos como os nossos pais".

Eles não tinham acesso à internet nem ao email. Muitos deles, por sinal, mal sabem escrever. E os que sabem, jogaram às favas a última grande reforma ortográfica feita no início da década de 70. Também não exibiam na cintura os utilíssimos e inconvenientes aparelhos celulares, que não se importam em tilintar, estridentes, suas musiquinhas engraçadinhas e irritantezinhas, especialmente quando se está no cinema, no ônibus ou em qualquer outro lugar público. Mesmo estando cercados das maravilhas da modernidade, a maioria de nós carrega nas costas a acusação feita pelos filhos adolescentes de não passarmos de seres antiquados e retrógrados.

De tanto me desentender com meu garoto de 16 anos, resolvi dar o braço a torcer e comparar a vida que ele leva hoje com a que eu vivi quando tinha mais ou menos a mesma idade. Meu primeiro passo foi avaliar o pedido que me fez no último sábado. No começo lasquei um vigoroso não. "Imagina? Justo você, que mal saiu das fraldas, querer ir para o litoral acompanhado de um monte de merdinhas iguais a você? Se manca, garoto!" Pois bem. Passados alguns minutos recordei uma viagem que fiz a Ubatuba, lá pelos idos de 80. Barraca canadense nas costas, pão pullman e sardinha na mochila do Beto, um litro de vodca e dezenas de latinhas de cerveja distribuídas nas sacolas e bolsas do resto da turma. Fora o pacote de holywood para fumarmos à vontade sem sermos incomodados. Disse para o meu pai que ficaríamos na casa da tia do Marcelo. "Pode ligar pra confirmar, pai!" - desafiei. Naquela época, quando se achava um telefone público nas praias paulistas, tínhamos que enfrentar outras barreiras, pela ordem: esperar chegar a vez, conseguir uma linha e convencer o dono da quitanda da rua - um dos poucos que possuía telefone - a dar o recado para a mãe. Dias inglórios.

Já a Rafaela, minha caçula de 14 anos, cismou que quer se filiar ao PSTU. Argumenta que, do jeito que está, o Brasil será entregue aos EUA se o povo não se rebelar a tempo. "Sabia que a Amazônia está cheia de bases militares americanas prontas para dominar a floresta, pai?" - sugestionou. Tentei lhe convencer de que isso não tem fundamento, que é coisa de gente lunática, que vivemos outro mundo e que o Muro de Berlim foi à pique muito antes de ela pensar em vestir o primeiro sutiã. Mas aí me lembrei da aversão dos meus velhos ao Lula e a qualquer outro sindicalista que se apresentasse no horário político quando eu desfilava pra lá e pra cá com uma estrelinha do PT e uma boina à la Che Guevara. Relevei e assinei a autorização para ela se filiar ao partido. "Vai com Deus, menina!"

Hoje, quinta-feira, véspera da viagem programada do Marcelo, soube que ele já está com as passagens na mão. Ao chegar do trabalho encontrei as quinquilharias da garagem devidamente organizadas nas prateleiras. A grama do jardim se mostrava inexplicável e impecavelmente aparada. Depois do jantar, enquanto assistíamos uma partida de futebol, percebi a agonia do menino, andando de um lado para o outro até criar coragem de me dirigir a palavra.

- Pai...

- O quê?

- O negócio da viagem... se você não quiser, eu não vou. Vai ser legal, mas eu fico por aqui mesmo.

Pedi apenas para ele levar o celular e mantê-lo ligado. Acho que meu pai faria o mesmo.

 
 
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