MOBILIDADE
SOCIAL
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Fernando
Zocca
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Meu
pai foi comerciante. Era proprietário de um barzinho de esquina naquele
bairro distante. Antes mesmo que eu completasse dez anos ele formou-se em
contabilidade e passou então a gerenciar o departamento correlato de empresa
significativa.
Durante seu tempo na companhia notou-se estranhamente que seus sócios proprietários enriqueciam ostensivamente enquanto que a firma em sí declinava na posse da boa saúde financeira. Meu pai fazendo ouvidos moucos para os comentários deselegantes tratou de cuidar da segurança de sua família. E adquirindo uma casa ali mesmo no local perto do seu antigo bar, reformou-a. Construiu inclusive uma piscina nas bordas da qual eu e meus considerados colegas e puxa sacos contumazes queimávamos umas carnezinhas durante os finais de semana, regados sempre com muita cerveja e claro estrepitosas canções. Bom, o meu primeiro casamento não deu muito certo. A doidivanas com a qual me casei arrumou-me um chapéu de touro. Tal fato impedia-me de até mesmo assistir a rodeios. É que os bois e animais que ali eram montados evocavam em mim a nebulosa condição de corno. Precisei consultar psicólogas e médicos psiquiatras. A doutora sugeriu uma linha terapêutica que a princípio me arrepiou os cabelos. Ela queria que eu simplesmente deixasse de evitar todas as figuras evocativas da minha categoria de traído. Assim, passei a freqüentar festas de peão e boiadeiro. Aprendi inclusive a cantar musicas relacionadas com a temática. Foi neste período que me surgiu a segunda mulher. Ela havia acabado de perder seu marido e, estava digamos, saindo do seu estado tenebroso de viuvez. Passamos a morar juntos. Conseguimos amealhar durante alguns anos, grande quantidade de bens materiais. Sua função na sociedade era de muito prestígio e na realidade ela era bastante competente. Nossas vidas estavam praticamente estabilizadas. Até que as filhas de minha consorte, frutos do seu primeiro casamento, adolescentes, começaram a freqüentar nossa casa. Vinham acompanhadas de outras mocinhas bonitinhas. Eram verdadeiras tentações. A resistência e a contenção dos atos desabonadores induzidos pela luxúria estavam cada vez menos enfáticos. Quebravam-se os grilhões e a sedução encontrava caminho desimpedido nas tardes modorrentas dos finais de semana quentes. Com minha câmera portátil levíssima pude filmar todas as candidatas a ninfetas e modelos na exuberância de suas formas juvenis. À noite exibia as cenas para mim mesmo. Fazia-o às escondidas. Não queria que ninguém soubesse que continha e possuía imagens capazes de provocar verdadeiras comoções em usuários das páginas de sexo na Internet. Até que um dia depois de um assédio mal sucedido e denunciado, me vi descoberto. Daquele momento em diante a desonra se apegou em mim. Apesar de cantar a plenos pulmões minhas canções e dedilhar com maestria meu teclado musical, a vergonha que sentia me levou a negligenciar meu trabalho. Minha companheira não me dirigia mais a palavra e fui ficando assim, como direi, no gelo. Pude perceber que a freqüência na minha casa deixou de ter aquela alegria que sempre tinha. A nódoa do fato estava presente na consciência dos circundantes apesar de ninguém mencionar os acontecimentos. Foi daí que tudo então começou a descer. Assim como água em ladeira abaixo e fogo em morro acima, foi impossível segurar aquela verdadeira descensão social. Hoje, com minha carriola de apanhar papelão caminho pelas ruas na caça das latinhas de cerveja e embalagens dos produtos que outrora consumia despreocupadamente. E quando penso que cheguei a ter dois carros novos na minha garagem, arrepios eriçam-me os pelos que logo tento derruir com mais algumas doses de pinga. Desse modo vivo e também deixo viver. E não quero mais saber de o mal desejar ao próximo. |