A vida é um
bem superestimado em nossa sociedade. Acredita-se que viver a qualquer
custo é melhor do que morrer, que qualquer maneira de viver vale a pena.
Não importa se criando a vida em provetas - e mais recentemente através
de manipulação genética - ou conservando a vida em Unidades de Tratamento
Intensivo superequipadas. Nossa meta é viver cada vez mais. "Viver
cada vez melhor", retificarão alguns, mas crentes de que não é possível
viver melhor se não se está vivo antes.
Dos quatro aviões seqüestrados nos Estados Unidos no último dia 11, três
atingiram o alvo, apenas um falhou. O motivo da queda do quarto avião
ainda não está claro. E por que não está claro? Porque a única explicação
plausível relativiza a vida como valor maior, e talvez não estejamos preparados
para encarar essa verdade.
Três aviões atingiram o alvo não apenas porque os três homens que os pilotavam
eram malucos e estavam dispostos a enfrentar a morte, mas porque nenhum
das centenas de passageiros estava disposto a abrir mão da vida. Em nossa
sociedade, se acredita na conversa, no diálogo, na negociação, no socorro,
no final feliz. Os passageiros tinha fé que a polícia saberia como abordar
os sequestradores e retirar todo mundo - menos os sequestradores, é claro
- com vida.
O avião que estava direcionado para a Casa Branca, o quarto alvo, foi
impedido pelos próprios passageiros. Enfrentaram os sequestradores não
com uma conversa psicológica, mas com a própria arma do inimigo: o desapego
à vida. Dizem que os passageiros desse último vôo foram avisados de que
não haveria negociação possível, que mais um símbolo americano seria destruído.
Isso talvez justifique a perda da própria vida, afinal outras seriam salvas.
Mas os passageiros poderiam ter deixado a tarefa para a aeronáutica, que
tinha ordens para bombardear o avião cheio de civis. Também nada garantia
que o avião descontrolado pelos próprios passageiros matasse ainda mais
gente, caindo sobre uma área residencial da Pensilvânia. Enfim, não foi
um ato pensado, foi uma reação mais do que uma ação, foi impulso, instinto
a favor da morte e não da sobrevivência, como costumamos pensar.
Não é preciso apenas viver, e deixar viver. É preciso viver, e deixar
morrer. Morrer, e deixar viver. Morrer, e deixar morrer.
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