A DOENÇA CRÔNICA DA MODERNIDADE
Regina Borges
 
 

Nasci no dia 26 de setembro de l950, oito dias após ter ido ao ar o primeiro programa da televisão brasileira.

Catorze anos antes, a televisão havia sido inventada, mas o autor da introdução do milagroso aparelho no Brasil foi Francisco de Assis Chateaubriand Bandeira de Melo.

Exatamente às 22 horas do dia l8 de setembro de l950, o Brasil tornou-se o quarto país do mundo a ter televisão.

Foram importados trezentos televisores, vendidos pela loja Cássio Muniz. É claro que pouquíssimas pessoas tiveram acesso à maravilha eletrônica.

O preço do televisor era nessa época CR$9.000,00, três vezes mais caro que uma boa vitrola. Só as pessoas mais ricas podiam comprar um televisor.

Em casa eu só fui assistir televisão em l967, quando meu pai chegou em casa com um aparelho, não me lembro agora de que marca, mas recordo-me principalmente da alegria das minhas avós e da minha mãe.

Hoje a televisão é uma espécie de droga que não se pode mais dispensar... Transformou-se numa espécie de tirana doméstica a exigir adoração cotidiana. Virou uma mania globalizada. A humanidade adotou o televisor como filho eletrônico. Querido, venerado, idolatrado nesta terra abençoada. Salve! Salve!

Lembro-me com saudade dos tempos de criança, quando íamos passar o fim de semana na Fazenda. Tio Arthur, um contador de histórias horripilantes do Sul de Minas, nos reunia em volta da fogueira. Ali perpetuávamos os laços de família... Contávamos causos, discutíamos, fazíamos planos. Todos tínhamos sonhos... Aquela era a hora propícia ao nascimento de novas idéias...

Agora a Sagrada Família acotovela-se diante da “fogueira eletrônica”, a abençoada, venerada e tirânica TV, de muitas marcas e estilos, mas que reina absoluta em todos os lares, de norte a sul do país...

A chefona do lar exige concentração absoluta... Ninguém mais quer trabalhar... Piração geral.

Temos fissuromaníacas novelísticas, ou seja, aquelas que não perdem novela nem em tempos de apagão.

Outros se reúnem entre palavrões e rodadas de cerveja em churrascadas para assistir às vexatórias peladas futebolísticas. São os masoquistas da bolinha.

Alguns são consumistas inveterados... Adoram os canais de venda...

Alguns derretem os neurônios para aprender a fazer pratos que nunca vão preparar por absoluta falta de tempo e dinheiro... São os gourmetsneuróticos. Passam horas copiando receitas...

Incrível, mas existem os masturbadores a cabo, os cinéfolosinveterados, os malucos por Jesus, os apaixonados pelo mundo animal, os pirados do Faustão, Gugu. Ratinho, Hebe, Jô Soares. A lista é grande...

Dia deste uma amiga me contou um caso de zapmania, a doença crônica, provocada pelo efeito colateral do uso indevido do controle remoto.

Anselmo, um funcionário público da Receita Federal, comprou um lindo aparelho de televisão 29’ com controle remoto, todo enfrescurado. Entusiasmado com a compra do aparelho tratou logo de assinar um pacote a cabo. Mais opções, melhor programação... Esqueceu-se porém da sogra Adelaide que era sofregamente apaixonada pelo aparelho ditador e pasmem em apenas dois canais: SBT e ShopTime.

Com a chegada do aparelho com controle, a família perdeu o controle sobre a velha.

A família só conseguiu assistir televisão na primeira semana da instalação da TV a cabo. Na semana seguinte começou a confusão...

Logo de manhã a doidivanas da sogra instalava-se confortavelmente diante do aparelho e ninguém conseguia tirá-la dali... A velhota só se levantava para ir ao banheiro, comer e dormir, mas levava o controle com ela... Quando ia dormir colocava o controle dentro da fronha do seu travesseiro, além de trancar a porta do quarto.

Os netos queriam assistir os seus programas favoritos, o dono da casa o seu futebol, a dona da casa as novelas da Globo... A vovó Adelaide fazia de conta que não ouvia os clamores familiares... Ficava ali largadona. Zapava sem dó nem piedade do SBT para o Shoptime, do Shoptime para o SBT...

O neto Cristiano quase chorando pedia:

- Vó deixa a gente assistir os Simpsons...

Ela se fazia de muda e surda...Só não se fazia de cega com os olhos pregados na televisão.

A neta Cristiane já com seus catorze anos implorava.

- Vovó querida, posso ver meu programa predileto “Malhação?”

A maníaca do controle remoto, no mundo da lua, do ratinho, do Show do Milhão, do Gugu Liberato, do BAÚ da Felicidade, do programa Casa e Conforto, do TV UD, do Forma e Beleza, nem ouvia a neta.Ficava ali no Zap... Zap...

- Dona Adelaide, está na hora do futebol, reclamava Anselmo, o pobre genro, Corintiano convicto, que ultimamente andava vendo seu time jogar no Bar Zero Grau com os amigos. Já estava louco de vontade de enforcar a velha com o fio do aparelho, mas agüentava firme. Afinal a zapenta da sogra era mãe do seu tesouro...

Anselmo arreliava.

- Pra que assistir Shoptime? Não vai comprar nada mesmo! Dá esse controle aqui!

E ela lá: Zap...Zap...Zap...

- Mãe, deixa os meninos assistirem televisão um pouquinho. Deixa de ser má...

- Não adianta meu bem. Sua mãe endoidou, amalucou, pirou de vez. Só chamando a máfia de branco para levá-la com camisa de força e tudo... Ficou zapada, completamente lelé da cuca!

Lelena não se conformava, mas era forçada a admitir: A mãe zapeara de vez!

A família internou-a numa clínica para doentes zapmaníacos, doença crônica provocada pelo uso incorreto de aparelhos eletrônicos.

Os enfermeiros encamisaram a velha. Levaram-na debaixo da consternação geral da família e vizinhança... A busca e apreensão de Vovó Adelaide foi uma cena hilária e triste... Quem diria que um aparelhinho inofensivo pudesse provocar tamanho estrago!

Está rindo? Tem um ditado que diz: Quando assistir a sogra do vizinho ser encamisada, tome cuidado com a sua... O vírus do Zap pega, meu!

Quando chegou no hospital, instalaram vovó Adelaide num apartamento com banheiro e televisão.

Quando a enfermeira perguntou carinhosamente "a senhora deseja alguma coisa em especial?", a velha mais que depressa perguntou: "essa televisão tem controle remoto?"

Assim que a enfermeira saiu... Ela ficou ali, só no Zap...

Moral da história: Cada zapmaníaco com seu Zap e estamos conversados.

 
 
fale com a autora