O
GOLEIRO VESGO
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Luís
Augusto Marcelino
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Há
diversos tipos de goleiros. Impossível descrever aqui, neste pequeno espaço,
as perícias e peripécias de cada dos que já vi jogar. Mas de todos os que
conheci, certamente Zap é, no mínimo, o mais curioso. A reação dos adversários
era quase sempre a mesma. Primeiro pensavam ser gozação. Depois caçoavam
e presumiam uma goleada histórica. "É só chutar no gol" - diziam
os atacantes. Ele não se importava. Entrava em campo sempre com os cabelos
engomados, deixando alguns fios cobrindo a testa proeminente. Punha as luvas
segundos antes de o árbitro autorizar o início da peleja. Depois arrastava
o calcanhar no gramado (ou no terrão, dependendo do campo), dava uns chutinhos
em cada uma das traves laterais, posicionava-se no centro do gol e fazia
o sinal da cruz. Nada diferente do ritual dos goleiros. Só não carregava
uma toalha de rosto para dependurar na rede - até porque, na várzea, não
é sempre que os campos ostentam uma rede.
- Mas este goleiro é vesgo! - espantou-se o técnico do time rival, num festival em fevereiro. - E gago - completou seu auxiliar. Já o vi jogar no campo do Canarinho. Em compensação, parece um gato sob o travessão. - Essa não... desse tamanho?!... De fato, além da gagueira e da vesguice, Zap não ultrapassava 1,65m de altura. Mas sua impulsão era fenomenal, cinematográfica! Outra coisa que impressionava no goleiro do 7 de Setembro era sua calma. Mesmo quando o juiz marcava um pênalti roubado, ficava impassível, esperando tranqüilamente seus zagueiros discutirem e se estapearem com os adversários e o árbitro. Parecia adivinhar o resultado. A cada três pênaltis sofridos, só um era convertido em gol. Os outros dois arremates iam parar nas mãos do Zap ou no córrego atrás do campo. É provável que os artilheiros se assustassem com o olho direito do Zap que, por ser perdidamente apaixonado pelo esquerdo, vivia paquerando o companheiro. "Para onde esse cara tá olhando?" Mas demorou para ter seu talento reconhecido. Foi no mês passado, no campo do Sete. Pela primeira vez na vida, Zap se aventurou a deixar a meta e decidiu cobrar uma falta próxima à entrada da área adversária. Já tinha visto o Chilavert e o Rogério fazerem isso dezenas de vezes. Por que não ele? O treinador Paulão relutou, mas acabou o liberando para a cobrança. "Fecha o meio-campo até ele voltar!" - gritou com os outros comandados. Pelo jeito que olhou e correu para a bola , todos presumiram que ele tentaria encobrir a barreira, atirando no canto direito do oponente. Que nada! Chutou aonde estava colocado o outro guarda-meta que, precipitadamente, já tinha saltado para o outro lado. Bola na rede! Zap foi carregado em campo. Ao final da partida, Paulão quis saber por que ele tinha resolvido mudar de canto tão em cima da hora. - Mas não mu-mu-mu-dei nada, Paulão! Esquece. Ser vesgo às vezes tem suas vantagens. |