Já perdi muita
coisa na vida. Perdi amigos, parentes e pertences. Perdi o rumo algumas
vezes e até perdi a vontade de chegar a algum lugar. Perdi dinheiro, documentos
e vergonha. Perdi muitos beijos das mulheres que temi amar. Perdi fantasias
e sonhos, perdi o desejo de sonhar. Esse foi recuperado com o tempo, quando
perdi o medo de dormir.
Perdi vários campeonatos com times diferentes. Perdi Copas, peladas e
Jogos da Primavera. Perdi partidas de buraco e exércitos no War. Perdi
alguns livros, vários litros e muitos quilos. Perdi tantas oportunidades
que seria inoportuno lembrar. Perdi sem perceber, perdi percebendo que
perdia, perdi antes de perder.
Perco, ainda, muitas coisas. Perco isqueiros, canetas e chaves. Perco
a memória à medida que as lembranças se perdem em mim. Perco a noção das
horas, a gulodice das madrugadas e o desejo ardente. Perco o olfato apurado
e o paladar exigente. Perco a capacidade de ser indulgente.
Tenho perdas históricas. Perdi o bonde quando menino, perdi ônibus, perdi
táxi. Perdi a hora e acabei perdendo o trem, também. Perdi namoradas porque
não sabia perder. Perdi outras porque já comecei perdendo. Perdi amores
imperdíveis pois não tive coragem de perder a cabeça.
Perco e continuo perdendo as idéias daquelas crônicas incríveis. Perco
empregos, propostas de emprego e situações confortáveis de trabalho. Perco
a paciência com mais facilidade. Perco muita coisa com a idade. Perco
até a perspectiva de ficar velho porque estou ficando velho e já não consigo
enxergar de perto.
Perdemos todos quando as pesquisas mostram que há gente com saudades do
regime militar. Perdemos a auto-estima, a raiva e a indignação. Perdemos
o jeito, nós, os jeitosinhos. Perdemos a hora certa de fazer a hora. Fomos
embora, perdemos sem saber.
Mas ainda temos jeito. Não perdemos a capacidade de perder. Porque perder
independe da vontade, do jeito ou do querer. Perder tem força própria,
safada e irredutível. Perder é o moto perpétuo que insistimos em buscar
sem saber que já existe.
Perder é o grande trunfo do destino. É o inimigo dos inimigos, o provocador
dos instintos. Perder é ganhar porque só perdendo é que se conquista a
capacidade de lutar. Perder é perceber que já se teve um dia.
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