UM BOM CONSELHO VALE OURO
Luiz Fernando Kiehl
 
 
A pequena casa geminada que comprei nos Jardins há mais de vinte anos, ainda recém-casado, é uma graça, mas tem um grande defeito: a parede que a separa da casa vizinha é muito fina e se escuta tudo o que acontece no outro lado. Infelizmente, o casal que ali vivia com três filhas na faixa entre 15 e 20 anos, brigava o tempo todo, transformando a nossa vida num inferno. Na verdade, a mulher gritava sozinha durante horas seguidas e ele nem se dava mais ao trabalho de responder, havia até se mudado para o quarto da empregada que eles não tinham.

"Pissicótico! Pissicopático!", esses eram os impropérios mais suaves que éramos obrigados a ouvir durante as crises diárias de verborragia da esposa contra o marido. Os demais elogios são impublicáveis.

A vítima daquela situação, era um funcionário público caladão e bem educado, que certamente morria de vergonha dos espetáculos diários a que sua inimiga íntima submetia os vizinhos. Parecia ser um bom sujeito e tinha cerca de 55 anos bem conservados. As filhas, cansadas daquela situação familiar, saíam de casa logo cedo e só apareciam tarde da noite.

Num domingo em que o destampatório estava especialmente animado, observei pela janela do meu quarto que o marido saíra para a rua e caminhava pela calçada com uma expressão transtornada. Percebendo que não poderia perder a oportunidade de conversar com ele, desci para o portão e abordei-o, falando o mais baixo e delicadamente possível:

- Ô, cara, até quando você pretende agüentar tudo isso? O que está esperando para se divorciar dessa maluca?

Ele começou a responder, já com os olhos meio vermelhos:

- Pois é, Luiz, eu até queria agradecer a sua paciência e pedir desculpas por tudo o que você e sua esposa estão sendo obrigados a suportar. Acontece que essa casa é o único bem que nós temos e a minha mulher não aceita vendê-la para dividir a grana comigo. Quer que eu vá embora para ela ficar morando com as nossas filhas na casa que comprei com o suor do meu rosto. Com isso não posso concordar, pois não vou sair desse casamento com uma mão na frente e outra atrás e deixá-la no bem bom. Além disso, estou esperando as meninas se casarem para, só então, resolver esse problema definitivamente, sem traumas para elas.

- Pois eu acho que você está é fazendo uma grande bobagem. Um homem bem conservado como você, ainda tem, pelo menos, mais uns quinze anos de vida ativa. Tempo suficiente para encontrar uma mulher bonita e normal que possa fazê-lo feliz. Mas, se continuar nessa teimosia, o que vai arranjar é um câncer no estômago que vai matá-lo logo, logo.

Meu vizinho ficou um longo tempo olhando para a minha cara e não respondeu. Não insisti, pois achei que já havia me intrometido na sua vida muito mais do que devia. Eu tinha dado o meu recado e nos despedimos cordialmente.

Na semana seguinte, a casa dele amanheceu enfeitada por placas de duas imobiliárias anunciando a venda. Era um bom imóvel que não tardou a ser negociado. Nunca soube como o casal dividiu o dinheiro. Só sei que, um ano depois, encontrei com o marido no centro da cidade e ele me convidou para um cafezinho de balcão enquanto contava as novidades:

- Sabe que você estava certo? Conheci uma quarentona bem jeitosa e estou morando com ela em Pinheiros. Nunca fui tão feliz em toda a minha vida. A minha ex-mulher foi viver no litoral e as meninas alugaram um apartamento só para elas, satisfeitas por se livrarem daquela guerra. Graças ao conselho que você me deu, escapei por pouco do câncer no estômago, pois até uma úlcera eu já tinha.

Desde que os inimigos íntimos venderam a casa, já tivemos quatro vizinhos diferentes, todos casais normais que nunca nos perturbaram. Mas, sempre que ela fica desocupada, um arrepio percorre as minhas costas e eu me lembro da voz estridente da minha primeira vizinha: "Pissicótico! Pissicopático!"

 
 
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