EU MESMO!
Beto Muniz
 
 
Pra inicio de briga, eu me classifico entre aquela minoria que pode tudo, mas tem preguiça de fazer! Me conheço desde o primeiro discernimento entre o bem e o mal. Sei de mim mais que qualquer outra pessoa e por isso mesmo sei que a preguiça é o meu maior inimigo, ou melhor, inimiga. Nenhum outro dos meus defeitos me é inimiga mais ferrenha que ela, mas não posso retribuir a altura já que por capricho do destino fui nascer pobre.

Meu avô, aquele que admirava o FHC (antes do FHC ser FHC), dizia que a melhor maneira de ter uma tarefa difícil executada no menor tempo possível, é entregando-a a um preguiçoso. O preguiçoso, na ânsia de voltar à ociosidade, encontra sempre uma forma de realizar a tarefa o mais rápido possível. E faz bem feito, para se ocupar uma só vez. Sábio esse meu avô paterno... Com ele descobri que posso realizar qualquer tarefa, desde que seja algo difícil! Aliás, menos aos domingos. Não me peça favores num domingo que não estou disponível para realizações. Fáceis ou difíceis. Principalmente se tua intenção é fazer com que eu abandone as almofadas confortáveis do meu sofá.

O meu sofá foi qualificado pela minha sogra como "sofá de vagabundo", e eu concordei com ela por pura preguiça em discordar. O coitado nada tem a ver com vagabundo, é apenas um sofá, comum, de três lugares e encosto confortável onde eu me deito e vegeto. Só levanto para ir ao banheiro. Isso em último caso, porque após esparramar-me nas almofadas, costumo segurar ao máximo minhas necessidades fisiológicas. Quando me aboleto nele, não é raro que minha esposa e filha saiam para almoçar fora e eu fique deitadão esperando uma marmita. Essa confissão deveria me constranger, mas estou com muita preguiça e não vou perder tempo com ruborizações e pudores... E você leitor, não se meta em minha guerra particular. Nada de censuras!

Saiba que não foi sempre assim. Apesar de estar gravada no meu DNA essa qualidade ficou adormecida, sufocada ou com preguiça de vir à tona, durante anos. Do final da minha infância até 1997. Menino pequeno em Minas Gerais, eu já trabalhava por dois, pegava no batente sem dó nem piedade, e quando vim para São Paulo continuei trabalhando feito gente grande. Queria vencer na vida e na capital. Acordava sempre com o nascer do sol e não tinha hora para voltar a dormir. Minha vida, durante dezoito anos, foi trabalho, trabalho e trabalho. De segunda a segunda! Devido à exemplar dedicação fui galgando postos e promoções dentro da empresa até atingir o terceiro maior cargo na multinacional que escolhi para trabalhar. Então, em dezembro de 1997, cansei e fui pa casa. Acho que a preguiça despertou junto com o espírito de natal e eu nem percebi.

Na mesma época em que pedi as contas e fui pra casa descansar por tempo indeterminado, comecei a procurar uma profissão em que eu não tivesse que cumprir horários, que não fosse trabalho duro, que não precisasse carregar marmita e que rendesse um bom dinheiro para eu levar a vida numa boa. Inclusive, já que era tudo ou nada, que eu pudesse trabalhar em casa. Bom mesmo seria uma casa ao pé duma montanha com um riacho na frente, ou ao lado, e umas árvores para eu amarrar minha rede.

Demorou um tempo, mas após três anos de procura encontrei a profissão ideal: Escritor. Resolvi ser escritor. Decidi escrever sem ter intimidade alguma com a profissão. Nada sabia que pudesse me ajudar nessa nova empreitada, mas, preguiçoso que sou, resolvi fazer bem feito para não ter que repetir. Minha primeira providência foi lançar um livro, afinal todo escritor que se preze tem um livro publicado. Lancei meu primeiro livro e para não desmentir a teoria do meu avô, o livro deu certo! Apesar de ser uma publicação amadora sem grandes critérios, e muitos erros, vendi todos os exemplares. Satisfeito com esse resultado eu adotei a segunda providência, que foi alterar meu horário de trabalho (voltei a trabalhar numa empresa privada) adequando-o aos horários de um escritor profissional. Fiz um acordo com o patrão e tive uma redução no salário mensal em troca de horários flexíveis. Pode parecer radicalismo, mas não é. É planejamento! O preguiçoso não começa uma ação ou um movimento sem antes traçar um plano. Acredite em mim, sou bom nisso... Adotei uma rotina de horários que permite que eu escreva durante a madrugada, quando minha família, amigos e vizinhos estão dormindo e eu fico em paz. Silêncio vale ouro.

De segunda a sexta, das nove até meia noite, é o momento sagrado dedicado à família. Filha, esposa, papagaio, peixes e mingau de farinha Láctea. Nessa ordem! Depois que vira o dia, eu dou a última colherada no mingau, começo a escrever e vou até três ou quatro da madrugada, quando o cansaço (nessa hora não é preguiça) me domina e eu vou dormir. Tento não ultrapassar meus limites e procuro dormir antes das quatro todos os dias, mas não é raro que eu me deite depois do nascer do sol. Aliás, depois que adotei essa rotina eu descobri que da sacada do meu apartamento dá pra ver o nascer do sol. Ele surge enorme, alaranjado e vai colorindo o cinza do céu de Sampa. Depois vai amarelando e ficando menor enquanto o céu volta a ser cinza outra vez. Vinte minutos de magia nas manhãs sem nuvens. Quando acaba a magia eu vou pra cama, durmo duas ou três horas e recomeço a lida de empregado. À tarde, se chego em casa antes das novelas, tiro uma soneca no sofá. Meu sofá de vagabundo.

Escrever durante quatro ou cinco horas seguidas, quase todas as noites é um prato cheio para minha preguiça, mas não me deixo dominar... Quero dizer, às vezes viro a noite jogando truco via internet, mas não é sempre! Sinto enorme prazer em inventar histórias, relatar acontecimentos e exagerar nos eventos do cotidiano. Atualmente estou finalizando os detalhes do meu segundo livro e iniciando um romance. Se tudo continuar no mesmo ritmo, em outubro eu publico meu segundo livro e ano que vem lanço meu primeiro romance. Pela fé! Mas nem pense que todo esse empenho é só porque tenho talento, porque sou criativo. Nada disso, a verdade é que resolvi ser escritor por extrema preguiça.

Escrever é uma maneira decente de ganhar a vida numa boa, sem trabalhar pesado, sem patrão, sem horários e sem grandes combates com a preguiça. Por isso varo noites digitando, apagando, reescrevendo, revisando e pensando: Eu posso! Posso tudo! Escrever é fácil! Quem sabe se eu não fico rico? Se o texto fica muito ruim (acho que esse passa) eu mando pra lixeira e recomeço tudo novamente. Na madrugada seguinte, que só de pensar em iniciar outro texto, dá uma preguiça...

 
 
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