O
SOLDADO PAROU PARA ASSISTIR TV
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Ana
Peluso
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O
tempo é escasso, e meu desembaraço perde-se emaranhado na prisão do tempo.
Sinto que urge o drama do aborto de idéias em favor do relógio em meu desfavor.
Breve tudo parará. Simplesmente parará. E nada se pode fazer para evitar
tal ruptura. Desaceleração total. Em vinte minutos tudo parará. E tudo estará
perdido, porque não posso reter as idéias. Elas pertencem ao cosmos. Não
tenho poder sobre elas. Um laço se estreita, quase existe um beijo. Doce
e longo beijo entre as idéias e eu. E isso é tudo que tenho. Nada mais.
Como um amante tudo se vai. Os amantes, todos eles, sempre se vão. E nos
levam uma lasca de carne, com sangue, viva, quente, para que exista a dor
da saudade.
Agora tenho apenas quinze minutos para dizer tudo o que não disse e percebo que nunca daria tempo. Nem agora e nem que levasse a vida inteira, simplesmente porque as impressões são muitas, e o tempo escasso. Nem que mil dias existisse, não poderia contar tudo o que vi, quando adentrei a matéria inexata do ser, aventurando-me em território minado de amor. De falta de viço, de rubor na face e sorriso por qualquer coisa. Totalmente desnutrido de qualquer bem querer espontâneo. Apenas aparentes desenganos, já que sempre existiram, pois poucos se conhecem para saberem quando mentem para si mesmos. Como minto eu, imaginando que onze minutos restantes, antes de tudo parar, permitam-me contar tudo o que vi. Minha farda de existente está corroída. Meu fuzil de atirar leite na alma dos famintos azedou. Assim como os seios de mãe que não amamenta, os fuzis também secam. Sou combatente amarrado a um explosivo chamado tempo. Em contagem regressiva. O tempo todo. Todo o tempo. Os ruídos me agitam os sentidos. Tudo estancado e como sempre morro na véspera. Minha barraca ameaça cair do título onipotente de abrigo. Um soldado adentra-me a tenda, mira seu fuzil lotado de energia, e atira em minha testa, sorrateiro. Chegou três minutos antes de tudo parar. E tudo parou. De existir. Apenas a Nestlé entrou em rede nacional. |