GÊMEOS
Felipe Lenhart
 
 
Conta o dito popular que as aparências enganam. Não costumo dar muita atenção a este tipo de sabedoria, este conhecimento que corre mundo de boca em boca, sendo modificado aqui e ali, à mercê de conveniências alheias e vergonhas gerais, um amontoado de lugares comuns, a bem da verdade e de uma certa sinceridade que não costumo admitir em público. Mas veja só o meu caso, historieta safada, malandra mesmo, temperada frase sim, frase não, por um rancor indisfarçável. Coisas de família.

Tive um irmão gêmeo, nascido cinco minutos após minha mãe ter me dado à luz. Meu nome, desculpe-me o esquecimento, é Mário, o de meu irmão era Mauro. Nós dois, Mário e Mauro, éramos parecidíssimos. Nossa avó materna, dona Nastácia, dizia, quando viva, que Mauro era cópia escarrada minha. A velha era espirituosa, ouça bem: "Meu neto Mário é a baba, meu neto Mauro, o perdigoto". O leitor atento adivinha já os problemas e complexos que desde tenra infância carrego pelo fato de possuir parente tão próximo, tão visceral.

No colégio, tínhamos que usar roupas iguais, mania típica de mãe. Coruja, teimava ela que não havia por que não usarmos as mesmas vestes, pois nosso cabelo era cortado de forma diferente e éramos, sem dúvida, meninos lindos. Nunca reclamamos, até porque a infância nos desperta para a filosofia das pequenas coisas, indagações esquisitas, e nunca para a argumentação séria, virtude que somamos ao espírito já na meia-idade. As professoras levavam um semestre até poder reconhecer quem era Mário e quem era Mauro assim à primeira vista. As confusões que faziam e os equívocos que cometiam eram motivos de risos e deboches por parte da classe.

Pulo no tempo até a adolescência, dezoito anos completos, carteira de motorista no bolso. Que chatice! Quanta amolação! Acudíamos ao pai por causa das brigas pela chave do carro, e ele invariavelmente dava vantagem para mim, por ser o mais velho. Confesso que não estranhava tal atitude, a entendia muito bem, o mesmo acontecia com meus amigos, oras. Em compensação, Mauro usava da aparência física para tomar meu lugar nas festas e bailes a que eu não podia comparecer. E assim foi que aconteceu todo o mal.

Joana, à época minha namorada e hoje minha esposa, ao completar 23, deu uma festa que saiu até nos jornais da cidade. Era um não sei o quê de plumas e paetês, baile a fantasia que marcou sua vida. Guardamos as fotografias daquela data, apesar dos acontecimentos desastrosos daquela noite de março. Detalhes: não pude ir, meu pai encasquetou que eu devia ficar em casa, cuidando da mãe, pobrezinha, adoentada de uma gripe violenta. Mauro, sacana, foi em meu lugar sem avisar, e não voltou.

Semanas antes aos festejos fiquei sabendo que um rapaz dum bairro vizinho, Ricardo, famoso por sua falta de escrúpulos e vagabundagem absoluta, andava paquerando minha Joana. A princípio não dei a mínima, agi com indiferença, confiante na fidelidade que até o momento Joana tem comigo. Na festa dela, contudo, Ricardo entrou, sem ser convidado, camuflado de pirata, legítimo pirata: levava à cintura um revólver. Ninguém deu por sua presença, ninguém o reconheceu. Mauro, parado perto de Joana para lhe dar os parabéns, levou seis tiros pelas costas, caindo fulminado no meio do salão. Morreu aos vinte e oito, e eu escapei.

Baixo agora as cortinas deste drama de quinta para poupar o leitor da consternação e choradeira que tomou conta do ambiente.

 
 
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