PARA ANORMAL
Beto Muniz
 
 

Acho que tenho poderes paranormais!

Assim, de supetão, posso até passar a impressão de que sou maluco, pretensioso ou paranormal mesmo. Como não sei o que cada leitor vai pensar após essa minha declaração, sinto-me no dever de explicar. Se é que consigo uma explicação plausível ou crível.

Quando caminho pelas ruas de minha cidade, nem precisa ser das mais movimentadas, sempre tenho a impressão que conheço a pessoa que vem ao meu encontro na calçada. Não conheço! Quer dizer, às vezes conheço, é amigo, vizinho, ex-colega de trabalho... Enfim, quando não conheço mesmo as feições vão clareando na medida em que a distância vai encurtando e, a cada passo, vou redefinindo o rosto de quem vem em lá até o tal me ser totalmente desconhecido, como deveria. Porém, quando cruzo com o fulano vem na mente quem ele me parecia ser e, geralmente, era um amigo ou parente que já morreu.

Antes que valguém faça piadinhas com a minha história, esclareço que não. Eu não vejo pessoas mortas! Vejo sósias de pessoas mortas!

Melhor deixar claro também que não ando pelas ruas procurando rostos conhecidos, tampouco fico relembrando quem já morreu. Eu ando olhando tudo e nada ao mesmo tempo como qualquer pessoa que passeia. De repente eis que bato os olhos na figura que vem de encontro a mim e percebo que já vi aquela pessoa. De onde? Quem é? Será amigo? Parente? Vizinho? Que nada, era o Fabio! Só que o Fábio faleceu faz quinze anos. Afogado em Maresias. Quanto tempo faz que eu não pensava no Fábio? Bem uns seis anos... Como estará a viúva? Percebo então que minha turma de amigos foi renovada nos últimos oito anos e que perdi o contato com ela. Ligo para minha ex-esposa e pergunto pela Janete:

- Lembra da Janete?

- Janete... Janete???

- Do Fábio! - lanço o referencial como se "do Fábio" fosse o sobrenome da amiga.

- Ah! Que é que tem ela?

- Tem nada. Quero dizer, lembrei dela e pensei se você tem notícias. Ela tá bem?

- Tá ótima. Casou novamente, teve dois filhos e já se separou. Por que?

- Nada não, vi o Fábio na Paulista.

- O FÁBIO MORREU!!!

- Eu sei.

- Credo! Ainda bem que já me separei de você.

Por que razão eu fui ver o Fábio num cara que nem tinha nada a ver com o Fábio, e isso num momento em que eu nem estava pensando nele? Sei lá! Já me acostumei com isso e continuo andando sem me preocupar mais com o afogado. Não sei a razão e também não sei se é dom ou maldição. Sei que dentro de alguns dias eu vou rever o sósia de algum outro amigo ou parente que já se foi. Qualquer um... Bem que pode ser o Leandro como pode ser a Teresa. O Leandro morreu em casa, fazendo churrasco num domingo em família. O braço esquerdo começou a formigar na cozinha e meia hora depois, no quintal, ele foi fulminado pelo coração enquanto comemorava o gol que o filhinho de cinco anos fez nele. Ele tinha trinta e sete. Um garoto! A Teresa morreu de amor. Foi amar outro e o marido a matou.

Não é brincadeira! Pode acreditar que é verdade. O marido da Teresa a pegou com o amante e errou o tiro. Matou a amada. O safado fugiu, ninguém sabe, ninguém viu! O amante. O marido foi preso. Agora, se você ainda acha que é brincadeira e não crê que eu vejo sósias de pessoas mortas, num futuro (espero que longínquo), quando me encontrar contigo, ou um sósia teu, vou fingir que nem vi! Quem manda não acreditar? Leitor de pouca fé.

Mesmo sabendo que és um incréu, vou contar quem eu vi no ano passado. Vi meu avô paterno, quero dizer, um sósia dele. Eu estava parado no trânsito da Francisco Matarazzo, chegando no Shopping West Plaza, quando meu avô cruzou a pista (fora da faixa) e quase foi atropelado por um motoqueiro. Morreria novamente? Se morresse tornaria a me provocar saudades numa calçada qualquer? Aliás, durante muito tempo eu achei que essas "visões" estariam relacionadas com a saudade inconsciente que sinto dos amigos e parentes que foram desta para melhor, mas às vezes vejo sósias de alguém que não conhecia... Como? Complicou? Ora! Não seja tonto. Quero dizer que são sósias de personalidades públicas! Não me lembro exatamente quando, mas eu bati o maior papo com o sósia do Jardel Filho e faz menos de um ano que fotografei a Elis Regina, se bem que depois de revelada a foto mostrava uma senhora gorda mais parecida é com a minha vizinha solteirona. Acontece! E se você ainda não acredita, qualquer dia desses a gente pode sair pra passear e eu te mostro um defunto famoso. Ou o sósia de um falecido qualquer. Só não me peça para invocar algum de seus mortos, porque eu morro de medo de assombração!
 
 
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