O
CAIXA ELETRÔNICO
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Tarciso
Oliveira
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Apenas duas pessoas encontravam-se na fila do caixa eletrônico naquele horário. Passava alguns minutos das duas da manhã daquela noite fria do final do inverno, que nesse ano não vinha castigando como nos anteriores. Eduardo e Chico, amigos no trabalho e na vida pessoal, estavam no caixa eletrônico àquela hora, após o término do expediente, para sacarem um pouco de dinheiro que trocariam por umas cervejas, fechando a noite com chave de ouro. Trabalhavam como garçons num dos bares da orla e, sempre às sextas-feiras, saíam mais tarde do que nos outros dias da semana. - Cai fora! Cai fora! - gritou uma voz atrás de Eduardo. Chico, que estava sacando dinheiro no momento, não entendeu muito bem quando o amigo o puxou pelo braço. - Vamos cara! - insistia Eduardo. Chico ainda deixara de apanhar uma última nota de dez reais quando o amigo o fez entender que a situação não era para brincadeiras. Os três sujeitos que os fitavam com um revólver e duas espingardas os empurraram com as pontas das armas para fora da cabine. Ambos correram, autorizados pelos marginais, em direção à avenida que ia dar no litoral. Em pouco tempo os bandidos destruíram parte da cabine e conseguiram arrancar a cobiçada máquina. Um outro marginal, que vigiava a esquina foi ao encontro dos outros três e acenou para um quinto que estava ao lado, dentro de uma van. Dirigindo o veículo por sobre o gramado frontal à cabine e atropelando uma pequena cerca, encontrou os amigos com a porta da van já aberta. Dali a cinco minutos dois carros da polícia encostaram ao lado da cabine e iniciou-se a investigação do assalto ao caixa eletrônico. Eduardo e Chico, que presenciaram tudo da esquina, aproximaram e conversaram com os policiais dando algumas dicas em relação aos bandidos. As duas viaturas policiais saíram em perseguição aos meliantes. O ruído da sirene avisava o início da árdua tarefa dos policiais. Algo fazia crer que eram originários da favela "Diretas Já". O tenente Jordão sabia que se os bandidos conseguissem entrar na favela, jamais conseguiriam recuperar a máquina roubada. Na entrada da favela os policiais encontraram a van utilizada para o roubo. Lamentaram não ter apanhado os bandidos. O motor da van ainda estava quente, o que fazia crer que os ladrões estavam por perto. Afinal, estavam carregando um caixa eletrônico, e isto significa muito peso. O cabo Antônio sugeriu uma rápida busca nas ruelas mais próximas, o que foi prontamente refutado pelo tenente Jordão: - Você está louco? - disse rispidamente. - É só uma olhadinha... - Se você entrar num beco desse, ninguém sabe o que poderá acontecer, cabo! E o tenente Jordão estava completamente certo. Ao longe, escondidos nas sombras da noite, entre um casebre e outro, estavam os marginais, fortemente armados, a espera do avanço de qualquer incauto no meio da madrugada. O tenente Jordão conhecia muito bem aquela favela. Perdera vários soldados em tiroteios por lá em outras épocas. Quem adentrasse naquele labirinto sem um mínimo de conhecimento estava fadado a não retornar. No dia seguinte, as manchetes dos jornais traziam, em primeira página, a história do assalto ao caixa eletrônico. - Cerca de cem mil reais! - disse o cabo Antônio. - Eu deveria ter ido atrás daqueles safados! - Sua vida vale só isso? - retrucou o tenente Jordão. - Mas, estávamos tão próximos... - O banco possui seguro, Antônio. Antônio era um bom policial, mas era muito impulsivo. O tenente Jordão, com uma larga experiência de comando, já conhecia esse tipo, e sabia que isso era uma péssima qualidade para a profissão que exerciam. No outro lado da cidade, num barraco no meio da favela "Diretas Já", quatro sujeitos sorridentes observavam um quinto que, de maçarico em punho, tentava abrir a porta de um caixa eletrônico. A luta era árdua. Por mais que tentasse, o metal da máquina não se fundia. - Mete fogo nisso, irmão! - E o que é que eu to fazendo? - Abre mais o oxigênio! - insistia outro. Ao final de duas horas de trabalho, eis que os frutos começam a aflorar. A porta foi rompida. Era só deixar esfriar e correr para o abraço. Na verdade, todos já comemoravam. Uma segunda garrafa de cachaça fora aberta quase que simultaneamente à abertura da porta da máquina. - Essa é pro santo protetor! - Valeu ai, mano véio! - disse um deles, enquanto brindava. A excitação tomou conta daqueles cinco bandidos. Todos queriam ao mesmo tempo por a mão dentro da máquina. Um dos líderes impôs sua autoridade e a tarefa ficou a cargo de apenas um. Os restantes se puseram ao redor, sentados em velhos tamboretes, como se assistissem a uma partida de futebol pela televisão. O escolhido retirou o suporte das notas e olhou para os outros com uma imensa tristeza. Todos arregalaram os olhos e entreolharam-se não acreditando no que viram. Nesse momento ouviu-se um forte estrondo. A porta do barraco veio abaixo e vários policiais surgiram do nada armados de metralhadoras. O tenente Jordão entrou por último exibindo seu largo sorriso de vitória. Todos os bandidos foram presos. O tenente Jordão transformou-se na notícia do momento. A captura dos cinco malandros elevou a sua auto-estima a inacessíveis altitudes. A imprensa não se cansava de dar evidência ao caso. Enquanto isso, presos e incomunicáveis, os cinco bandidos eram pressionados para explicarem onde foram parar os cem mil reais tão alardeados. Quem iria acreditar nas palavras dos bandidos quando eles afirmavam categoricamente que no caixa eletrônico só havia vinte reais? Mas isso... isso eram apenas mais alguns parênteses, que poderiam ser tranqüilamente suprimidos sem alterar os méritos do tenente Jordão. |
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