Tema 035 - PARÊNTESES
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ENTRE PAREDES
Renato Bittencourt Gomes

A língua geral é nossa. Todos falamos esse tupi-guarani feito de bordões, cacoetes e idéias prontas. É muito natural que seja assim. E digo mais, digo que é preciso dominar muito bem esse linguajar de fronteira, esse desenraizado código de contrabandistas. Ele é perfeito para o comércio diário, foi criado mesmo para essa existência de varejo e miudeza da qual ninguém está isento: pagamos o imposto de nossa humanidade, nosso barro comum, nossa comunhão rasteira. E tem que ser assim, já que temos a vida pra levar e, entre outras coisas, ela é composta de aluguel, mercado, conta de luz e telefone, botequim e cinema. Busco me entender na algaravia, no fragor da luta, no rugido da máquina de Marte. Trabalho nessa oficina, estou inserido na batalha, faço parte da legião de anônimos que tudo o que quer é sobreviver - com alguma dignidade. Em busca dela, somos combatentes nessa guerra antiga.

Eis a nossa esperança: sonhamos que, um dia, iremos tomar o céu de assalto. Ou conquistamos a praça-forte, ou arrasamos a terra tentando. De alguma forma, vamos deixar a nossa marca, nossa passagem não será em branco e, conforme o credo que sustentamos, não será em vão. Talvez nos defrontemos com forças muito superiores. Não importa: somos filhos da caridade, mas também sabemos carregar, como uma bandeira, nossa arrogância e desassombro. São eles os nossos escudos diante dos senhores do mundo.

Mas quando me dirijo a você a coisa é diferente. Aí é caso de combate singular: já não posso usar das mesmas armas, são outras as palavras que te digo. Junto com você, procuro fugir à mesmice, ao lugar-comum. Não posso, na tua intimidade, usar o mesmo registro com que vou me desvencilhando das encrencas cotidianas. Para você, senhora, guardo o meu melhor, o mais sentido, o que vem mais de dentro. É assim que minha voz, normalmente baixa, fica ainda menor, mais miúda: quero que entre nós só caiba o sussurro ao pé do ouvido, a conspiração, o segredo. Sim, é disso que nos alimentamos: subjetividades, conotações, sentidos particulares. Para você abaixo minhas defesas. Entre paredes e entre parênteses: é assim que conversamos.
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