VERDE
APRISIONADO
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Maurício
cintrão
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Há momentos em que me sinto aprisionado, meio entre parênteses. Como aquelas árvores no meio do Playcenter, que vejo daqui, de uma das janelas do escritório. Não é propaganda, não. Falo o nome do parque para que você não ache que seja um daqueles parquinhos de temporada, só com uma roda-gigante mixuruca, carrinho de bate-bate que não funciona e tiro ao alvo vesgo. Quero ser preciso na descrição. Há muitas árvores no meio de um parque enorme que tem nome. Do contrário, seria como se eu descrevesse uma situação em que a caracterização do outro fosse importante e apenas mencionasse "a mulher", ou "o homem". Você não se emocionaria. No entanto, se eu escrevesse "estava ali, na minha frente, a Catherine Deneuve", ou, "foi quando sentou ao meu lado o Al Pacino", você teria outros tipos de reações. Entende? Portanto, é Playcenter e pronto. Mas eu dizia que me sinto aprisionado, meio entre parênteses. Vejo o teleférico, a roda gigante e aquele elevador estranho que sobe, sobe, sobe e depois cai. E a mata ali, no meio daqueles brinquedos, refém da alegria dos outros. Não que eu me sinta aprisionado porque os outros se divertem. Se fosse assim, o fato de eu ter mesa voltada para uma das janelas com vista para um motel provocaria falta de ar, calafrios e ui-ui-ui. É isso mesmo! Vejo o motel bem agora, enquanto escrevo este texto. Já sei, já sei... você vai imaginar besteiras. "Com vista para o motel, heim?". Sempre tem alguém que pensa isso, com cara de safado. O raciocínio em geral prossegue com um "nossa, você deve ver cada coisa!". Pois eu não vejo nada daqui. Fico em frente ao motel, mas não tenho olhos de Raio X (e se tivesse, só veria esqueletos balançando). Há quase cinco anos que estou aqui e nunca vi nada. Do entra e sai, só vejo os carros. Só isso. Foi daí que apelidei o prédio onde estou de clínica ginecológica. Trabalhamos de frente para a diversão dos outros. Mas eu falava de aprisionamento (ando dispersando demais ultimamente). Vejo as árvores do parque e me sinto aprisionado como elas. Entre os parênteses não só do parque, mas do resto da cidade cinza. Eventualmente, até faço brotar projetos verdes por dias menos cinzentos. Mesmo assim, não consigo me libertar da prisão dos costumes, das normas, das regras e dos parênteses da vida. Talvez porque ande meio sem projetos de futuro. Olho para fora de mim mesmo como quem espera o farol abrir no meio do congestionamento. Mas o farol não abre. |
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