ENTRE
PARÊNT(ES)ES
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Luiz
Fernando Kiehl
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A campainha obrigou-o a desligar a televisão no meio do telejornal. O filho sentou-se na poltrona de sempre e contou seus progressos profissionais, sua última viagem no feriado prolongado e sobre o carro novo que pretendia comprar. Não lhe pediu conselhos nem opiniões. Durante o jantar, falou-se um pouco de tudo, um ritual que se cumpria quase toda semana. Metade de sua mente acompanhava os assuntos que vinham à tona e desapareciam e ele até fez algumas intervenções, na tentativa de não deixar a peteca cair. A outra metade observava aquele rapaz simpático, procurando o menino que ele levava todas as manhãs para a escola e que comentava animado os acontecimentos da véspera, fazia perguntas inteligentes ou repetia as lições decoradas para a prova de logo mais. Veio-lhe uma enorme saudade dos domingos em que levava o filho para brincar no parquinho perto de casa, ao Holliday on Ice e aos jogos de futebol no estádio do Pacaembu. Definitivamente, aquele visitante que se esforçava para ser agradável, talvez fosse um bom amigo, mas não era o seu filho. O menino alegre que se apoiava com confiança no super-homem que ele fora, desaparecera para sempre. Lembrou-se das visitas que ele próprio fazia a seu pai. O velho também mais ouvia do que falava, parecia indiferente, as conversas sempre impessoais. Ele achava que a culpa era do pai que, aposentado, não tinha o que contar. Ficou tentando adivinhar se o rapaz seria feliz, pois não tinha a menor idéia do que ele realmente sentia. Se não fosse feliz, não iria se abrir com ele, os pais não servem para isso. Para quem será que as pessoas contam tudo? Ao melhor amigo, a uma secretária mais cúmplice ou a um irmão, talvez? Ou será que os fortes nunca se permitem ser apenas humanos? Ele, que também fora um forte, já não se lembrava. Houve um momento em que pensou em dizer ao filho que quem ocupa um cargo importante precisa fazer a barba todos os dias, mas resolveu silenciar. Os jovens de hoje só querem aplausos e o comentário poderia criar um constrangimento que a esposa lhe pedira para evitar naquela noite. Agora o rapaz de barba crescida era um adulto que não precisava dos palpites de um velho ranzinza. E será que uma barba bem feita ainda é tão importante? Terminado o jantar, passaram para a sala. Pela segunda vez naquela noite, observou o jovem consultar disfarçadamente o relógio, exatamente como ele fazia quando ia visitar o pai, calculando um tempo razoável para ir embora sem parecer que apenas cumpria um dever fastidioso. Também como ele fazia, o rapaz não perguntou sobre seus planos, que ainda eram muitos, ou sobre suas angústias e inquietações, que eram ainda maiores. Nem mesmo sobre coisas mais corriqueiras, como o exame de sangue feito na semana passada ou se aquela dor nas costas tinha melhorado. Simplesmente não lhe ocorria, porque, na verdade, não estava interessado. Bem como ele previra, quarenta minutos depois do cafezinho, o filho começou a se despedir dizendo que precisava levantar cedo no dia seguinte. Novamente a sós, a esposa foi ver algo na cozinha e ele correu para a televisão: ainda dava para ver o segundo tempo do futebol. O locutor disse que o jogo estava zero a zero e ele achou que, felizmente, não tinha perdido grande coisa. Foi apenas um parêntese entre dois programas. |
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