BARQUINHO
DE PAPEL
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Eliana
Pace
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O telefone
que não dá sinal de vida, o dinheiro que não entra, o sol que não aparece,
a planta que não vinga.
O político, que na véspera fez promessas, recua no convite: não quer saber de novos assessores. O empresário, que se fez simpático no coquetel, é frio do outro lado da linha: assim que houver novidades, convoco seus serviços para uma nova parceria. O advogado arrogante, que queria tanto estar em evidência, desconversa: - não conseguimos encontrar sua proposta. - mando outra cópia. - não há necessidade, vamos procurar um pouco mais. A amiga A questiona, aparentando ingenuidade: - será que o problema está na idade? A B comunica: - vou fazer uma plástica nas pálpebras, o mercado pede aparência jovem. A C tenta consolar: - está todo mundo no desvio. A tarde modorrenta anuncia chuva mas o empregado do prédio se pendura no 4º andar para limpar as vidraças, pouco se importando com a invasão da privacidade alheia. Na secretária eletrônica, o primo comunica que a mãe voltou para o hospital, seu estado inspira cuidados. A doméstica liga, está sem dinheiro para a condução. E a cantora lírica, do outro lado da rua, força suas cordas vocais em trinados dissonantes. A chuva, que enfim desaba com força pela cidade, afasta as pessoas das ruas, carrega imundícies para os bueiros, inunda a lanchonete vizinha. O riso do garoto na rua chega abafado mas se impõe, não admite titubeios. Ela, então, desliga rapidamente o micro, sem sequer terminar o jogo de paciência, bate a porta e corre para o elevador. O que mais quer, agora, é estar lado a lado com a criança ensopada para acompanhar a trajetória de um barquinho de papel na enxurrada da avenida. |
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