REFRIGÉRIO
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Beto
Muniz
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Perguntado
sobre minha profissão, respondi sem titubear: Administrador de
empresas e escritor! Eu mesmo levei um susto quando me dei conta da resposta,
mas faz algum tempo que escrever deixou de ser um hobby para se tornar
um trabalho não remunerado. O que começou como passatempo,
distração e brincadeira, tem se tornado ofício secundário
com pretensões a primeira posição. Vontade há!
Tenho até negligenciado a ocupação principal em favor
da secundária.
Quem sabe no futuro eu vista o fardão e vá tomar chá na academia? Hein? Ora, se o Paulo Coelho pode sonhar com o fardão, por que eu não posso? Vamos deixar o fardão para o futuro e toca falar do presente que o assunto é sobre trabalho, e sobre as formas que utilizamos para dar um tempo no ramerrão e criar mecanismo de descanso mental. Como ouvi de uma enfermeira: parênteses que cada trabalhador cria no seu dia a dia. Por exemplo, eu trabalho arduamente das nove da madrugada até as sete da tarde. Todos os santos cinco dias da semana! E para relaxar, tirar o estresse da labuta, gosto de jogar truco no sábado e domingo. Sabendo dessa minha rotina pesada, um colega sugeriu que eu escrevesse uma crônica justamente sobre o trabalho. Penso que não foi um encomenda séria, mas sim, uma alusão ao meu desempenho atual. No texto encomendado escrevi sobre quase tudo que o trabalho proporciona ao trabalhador. Acabei por concluir que o coitado do trabalhador não anda lucrando muito com essa história de trabalhar. Se no passado o trabalho dignificava o homem, atualmente o trabalho cansa o corpo e o espírito de quem cedo madruga. Isso porque Deus parece ter abandonado os operários madrugadores. É lógico que transformei o texto numa paródia do cotidiano sério... Terminei a encomenda reabilitando o trabalho que, mesmo com tantos contras, mais que prós, ainda é a solução para tudo, inclusive, pode até livrar preso da cadeia! O sujeito não tem trabalho, não tem como adquirir o pão de cada dia então rouba uma galinha. Vai preso. Condenado só tem um pensamento: sair o mais rápido possível da cadeia. Se tiver sorte começa a trabalhar em troca da redução da pena. Ganha a liberdade fazendo badulaques que serão vendidos nos semáforos. Lá fora. A ironia é que fora da cadeia ele não consegue trabalho, vai viver à toa até voltar a roubar galinhas e ser preso novamente. Um círculo vicioso! A cena do cão perseguindo o próprio rabo. Mas deixemos os furos sociais de lado, e toca voltar para dos parênteses que podemos fazer na nossa rotina. Pensando no meu crescimento profissional, comecei a fazer cursos diversos e faz seis meses que freqüento uma escola de teatro. Se no semestre passado os exercícios eram brincadeiras com intuito de desinibir o aluno, e exercícios quase infantis de expressão corporal, nesse semestre o curso ganhou ares profissionais ao adotar disciplinas teóricas com critérios de aprovação através de notas. Assim como escrever, o curso ficou sério sem deixar de ser divertido. Acontece que na primeira aula desse novo semestre o professor de teoria da interpretação quis saber os motivos que levaram cada aluno ao seu curso. Ouviu respostas diversas. Da mocinha deslumbrada com cara de modelo: - Porque adoro teatro e amo interpretar. Quando vou a algum espetáculo fico babando com a arte teatral. Aquilo é lindo! Quero ser atriz de qualquer maneira! Do odontologista simpático que nunca me pareceu acanhado: - Porque sou introspectivo e tímido e quero desenvolver o contato com pessoas. Quero me soltar ou pelo menos saber convencer que estou à vontade diante do meu interlocutor. Do quarentão sisudo com cara de juiz: - Ser ator é ser ridículo e eu preciso disso. Desse que vos escrever: - Em princípio, minhas pretensões são puramente literárias. Quero saber tudo sobre teatro, conhecer seus meandros e bastidores para escrever peças. Pretendo ser autor, mas é claro que se no final do curso a Globo me escalar para atuar na novela das oito, eu não sou louco de recusar. Da mulher mais moleca da turma: - Sou enfermeira, trabalho com o sofrimento alheio todos os dias e isso me afeta, me deixa estressada, porque mesmo sendo profissional a gente se deixa envolver pela dor dos pacientes e parentes de pacientes. O curso de teatro me surgiu como uns parênteses nessa rotina e por isso estou aqui. Não tenho outras pretensões se não dar um refrigério aos meus sentimentos. Fiquei tão comovido com a sensibilidade dela que meus olhos marejaram... E o teatro todo ficou mudo por instantes eternos. |
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