PENSANTES
E PENSADOS
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Maurício
Cintrão
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Seres que
pensam e seres que fazem pensar são tão essenciais para o mundo quanto
o próprio entendimento dos seres, do pensar e do mundo. Neste momento,
por exemplo, estou sozinho diante da tela, mas penso em você que está
lendo este texto. O texto surge aos seus olhos à medida que aparece para
mim mesmo. É evidente que nossos tempos são diferentes, mas estou escrevendo
para você ler. E você lê. Portanto, escrevo enquanto você lê. Pronto,
estamos entendidos.
Mas eu não estava querendo falar dos atos mecânicos de escrever ou ler. Em linhas gerais, qualquer um faz isso, desde que tenha os rudimentos das letras. Se a combinação das letras atender às mesmas regras, melhor. Na verdade, eu queria falar sobre aqueles que pensam para os outros. Não, não estou falando de pessoas que pensam por outras, mas de pessoas que pensam para outras. São pessoas especiais esses pensantes coletivos. São como luzes que estalam na escuridão. Sei, você deve estar pensando por aí: "ahn, são aqueles caras que têm respostas para tudo". Não, esses são uns grandes chatos. Sabem tudo, em geral querem mostrar isso para todo mundo, vivem interferindo nas conversas, corrigindo as pessoas e rindo com ironia do nosso senso comum. Não é desses que estou falando. Falo daqueles que não resolvem questões. Eles não têm respostas. São despertadores de necessidades. São geradores de dúvidas. Porque a melhor qualidade de um ser pensante não é oferecer respostas, mas sugerir novas perguntas. Não são perguntas quaisquer, mas as nossas perguntas. Aquelas que a gente só faz para dentro, no momento íntimo, no banheiro, por exemplo. Está difícil, você não consegue concentração, pega aquele jornal ou revista estrategicamente guardados sobre o bidê e, de repente, pum, vem a luz. Você até pode perder a vontade, mas não perde a idéia. "É isso!", exclama. E descobre uma porção de perguntas novas. Um ser humano sem perguntas por responder é um labirinto que vaza, um enigma inconcluso, um quase nada (que não é nada porque é quase e quase não é nada). Não ter questões é não ter porque continuar pensando e isso é terrível. Fomos feitos para pensar. Alguns pensam o tempo todo. Às vezes são até incômodos. Outros, pensam em momentos decisivos. São líderes, comandantes, chefes importantes. Mas há, porém, aqueles que pensam por força da provocação. Somos quase todos nós (os líderes e os chatos, inclusive). Agora, por exemplo (e lá vou eu com outro exemplo), se você resistiu nesse texto até aqui é porque está se perguntando alguma coisa como "o que será que esse cara quer dizer?". Ótimo, segurei sua atenção até aqui e consegui dar um gostoso nó na sua cabeça. Labirintos que vazam? Puxa, isso é coisa de louco. Labirinto não é piscina. Mas vaza, pode acreditar. Vaza quando perde sua característica de confundir e sugerir caminhos que não dão em lugar nenhum. Vaza quando você desiste e encontra uma parede falsa que permite fuga. Vaza quando você deixa de perguntar. É aí que entra o grande provocador, o pensante para os outros. Ele surge com uma questão nova, inusitada, inesperada. E muda o dia, muda a noite, muda os tempos. Tira você da vida fácil e joga sua cabeça em um universo de intrincados descaminhos. O ser pensante e que faz pensar é um caçador de minotauros, um desbravador de labirintos. |
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