LABIRINTO
S/A
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Lisa
Simons
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Nas reuniões no serviço público normalmente são entediantes, fala-se do óbvio, daquilo que perfeitamente poderia ser tratado num memorando, mas apesar disso são freqüentes e demoradas. Para não se pegar no sono e babar sobre a mesa, deve-se ocupar as mãos, por que a imaginação não basta. Assim, tenho sempre um bloco de papel e uma caneta, que diferente do que imaginam os participantes, não servem às anotações pertinentes aos assuntos tratados na reunião, pois como já disse, o que é de fato importante já está impresso em algum documento ou já foi levado ao nosso conhecimento pelos meios eletrônicos. Em síntese, elas se prestam ao afago do ego de alguns e ao reforço da hierarquia do órgão. Os desenhos impressos, invariavelmente, são labirintos, nas mais deferentes formas e situações, ora são retas que se cruzam ou não, formando serpentes angulosas e pequenas câmaras, ora círculos que se entrelaçam ou ainda curvas infinitas que vão se dobrando sem se encontrarem. O fato é que ao final da longa jornada chego a preencher de cinco a dez folhas desses rabiscos incompreensíveis, que apenas em um detalhe se assemelham, todos buscam um ponto de fuga, naquele emaranhado de linhas e o engraçado é que, apesar de gostar de desenhar figuras humanas, paisagens, elas nunca servem de motivo às minhas divagações, outros diriam meditações. Tempos atrás, em uma publicação da Taschen, tive a oportunidade de conhecer uma pintora portuguesa de nome Vieira da Silva. Analisando seus trabalhos verifiquei, com uma certa perplexidade: os labirintos eram motivos freqüentes à sua criação, de forma sempre inusitada, sempre indicando uma saída imaginária, às vezes difícil de ser identificada em uma primeira observação. Ela teve uma vida marcada por acontecimentos trágicos, o que talvez explicaria a angústia de sua pintura, o caótico de suas linhas que nos dão a exata sensação de nossa existência. Afinal, a vida não é mesmo um imenso labirinto, onde a todo o momento deve-se optar por caminhos sem saber se eles levarão a alguma solução satisfatória? Quase sempre nos encontramos diante desse dilema e desaguamos em verdadeiros becos sem saída, onde o único recurso é retomar o ponto de partida para uma nova tentativa que, não necessariamente, será a definitiva? A busca é árdua e cada minuto a mais de vida é uma nova oportunidade de acerto, que compensa as frustrações de nossas escolhas. Como não poderia deixar de ser, também eu, vez por outra, encontro-me diante de situações conflitantes, nos tais becos sem saída ou diante de tantos caminhos, sem saber qual seria o mais adequado a seguir. Nesses momentos, não deixo de imaginar: e se existisse uma empresa conceituada, bem estruturada, com pessoal habilitado e suficientemente preparado para resolver pequenos engasgos existenciais? Seria ótimo, não é? Seus membros seriam conselheiros, pessoas com inteligência um pouco acima da média, vivência e sensibilidade suficientes para ajudar a tomar decisões das mais irrelevantes até as mais complexas, não padres, pastores ou pais-de-santo, tampouco psicanalistas e congêneres, que têm a pretensão de dominar as razões da alma, do inconsciente, mas no varejo deixam a desejar. Um planejamento de nossas dúvidas seria feito e nele se demonstraria o melhor caminho ou melhores caminhos a seguir. Obviamente não seriam opções levianas, muito menos dispendiosas, pois para isso já existe a mídia, que consegue nos empurrar um monte de supérfluos, em nome da satisfação de nossas necessidades e compulsões. Nosso problema seria estudado com carinho e uma comissão opinaria e daria as melhores saídas para o imbróglio, num misto de psicanálise x consultoria administrativa x consultório sentimental. Traçariam as possibilidades de nossa vida num imenso fluxograma, de preferência apresentado em disquete, que imediatamente seria salvo em nosso computador. O perfil dos consultores teria, como é importante para atrair o interesse dos incautos, uma certa vocação a antevisões futurísticas, uma boa dose de bom humor e paciência. O consumidor insatisfeito não teria o que reclamar, pois a empresa nada prometeria de concreto, nada administraria, somente opinaria. Oficializaría-se o que hoje já é dominante em nossas vidas: gostamos de passar nossos problemas e aceitamos as justificativas mais absurdas para suas razões e entregamos suas soluções a alguém lá em cima que, diga-se de passagem, já está bem ocupado em administrar o caos mundial. Da empresa, por enquanto, só tenho o nome: LABIRINTO S/A, mas como todo mundo, aceito sugestões. |
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