FIO
DE ARIADNE
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Helô
Barros
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- Alô? - Sr. Jean Pierre, por favor? - Quem gostaria? - Fulana. - Fulana? De onde? O silêncio se faz entre o de onde e o eu. - Eu? Sou de lugar nenhum, penso contrafeita. Daqui, do planeta Terra. E olha mocinha, se não estivesse me sentindo como agora, invadida pela indiscrição, pela sua indiferença, lhe contaria o meu sobrenome, diria que sou natural do Brasil misturada a outras descendências. E, se você insistisse, seria capaz de segredar o nome do homem ao qual poderia pertencer, dos filhos que pari, dos pais que me foram destinados, da firma onde trabalho e das que trabalhei. Arriscaria descrever os pequenos feitos e as minhas grandes fraquezas. Alegrias. Se as tive? Se necessário, pra satisfazê-la, criá-las-ia. Contaria-lhe uma história, como a uma criança, falando das calmas ruas dos antigos endereços onde vivi e mais, em tom confessional lembraria do vestido lilás que usei na desastrada excursão à Aparecida do Norte. Fulana. Oras, Fulana de onde. O espaço da conversa me desasna e a hostilidade comparece: - Sou da Xícarasbulepires, respondo. - Ah! Bom. Espere um minutinho. Sobrou o vácuo e a resposta amarrada na garganta. Ouço o barulho de vozes indistintas do outro lado, a música de uma rádio qualquer acompanhando. Percebo que estou a segurar a ponta do fio telefônico com muita força, assim como quem apalpa o caminho de volta, como quem procura a saída de um labirinto mordaz. Lembro-me de Teseu e de como, para não se perder no labirinto e salvar Ariadne da fúria do Minotauro, desfiou um carretel até encontrar a sua amada. E foi o fio que os conduziu para fora do perigo e da besta esfomeada. - Senhora, o chefe gostaria muito de lhe atender, mas está o-cu-pa-dís-si-mo. Gostaria de deixar o seu telefone? Estou confusa, indecisa quanto a dizer a esta moça certas pérolas de meu satânico vocabulário, mas deixa pra lá. Sim, sou daqui, deste lugar ermo onde Minotauros famintos espreitam atrás dos muros de cipreste. Aqui, onde o vento assovia. A minha consciência me impossibilita de descontar em alguém a noite passada insone, acho melhor relevar. Mas, num último impulso de ironia: - Avise a seu chefe que é uma urgência de Ariadne. - Mas senhora... Ariadne? De onde? |
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