DISCURSO
DE MINOTAURO
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Beto
Muniz
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Gosto
de escrever utilizando palavras do dia-a-dia e de fácil entendimento.
Quero pensar, quando escrevo, que as pessoas não gostam de consultar
o Aurélio a cada parágrafo. Quando me vem a mente um verbete
diferente, recorro ao Aurélio e substituo por outro mais simples.
Não gosto de dificultar a vida do meu leitor. Escrevo com a intenção
de emocionar ou de divertir e não de confundir. Com toda essa
preocupação em simplificar, não passa despercebida
uma reportagem que leio no jornal de quarta-feira. Pode ser que o limitado
seja eu, mas, nessa matéria, as palavras podem levar o leitor
a se perder.
A manchete: "Mlászho exibe sua arte híbrida de colagens e descolagens". Que o artista cria seu trabalho transformando através da colagem e descolagem fica claro logo de cara, mas depois a matéria tenta me convencer que essa transformação é uma discussão do conceito de beleza em que o mais interessante é desvelar os mistérios por trás das figuras manipuladas pelo artista. Calma! Não vou entrar no mérito do trabalho do Mlászho, que utiliza fotografias para, como diz a reportagem, criar um novo discurso, ou como o próprio diz: "Criar imagens expandidas". Quero discutir o discurso do artista que, aproveitando a oportunidade e o espaço no jornal, revela que não tem formação acadêmica convencional, mas que sempre freqüentou museus e exposições e sua ligação com as imagens nasceu através da literatura: "Sempre foquei minha atenção nas figuras". Pronto! A matéria começa a tomar forma de labirinto e o jornalista agora é Dédalo, o arquiteto de Minos. Eu, que costumo chamar de literatura o que vem escrito e não o que vem ilustrando o texto, já me sinto conduzido ao centro do labirinto e prestes a ser devorado pelo artista que encarna a figura do homem touro da mitologia. Ignorando meu sentimento de desorientação, ele, o Minotauro, segue me encurralando e declara: "A natureza das imagens utilizadas pelas mídias contemporâneas sugere uma ampla oportunidade de intervenções e, me valendo da vastidão desse universo inusitado, atuo de várias maneiras o que, para um artista, é a oportunidade de desenvolver incontáveis maneiras de criar". Você entendeu? Eu não! Mas o mitológico discursista não se contenta em me conduzir por seus labirintos de palavras dispostas na folha do Estadão de maneira a tomar meia página junto ao anúncio de uma rede de televisão. Ele vai além, quer fazer com que eu me sinta dominado pelo terror e lança mais frases de efeito: "O princípio geral da minha atividade criadora antecede a fotografia propriamente dita". Eu paro diante da parede imaginária que foi erguida numa curva do meu entendimento, e penso que se o artista utiliza as imagens como suporte para o seu trabalho, que flutua entre a fronteira das artes plásticas e da fotografia, já que ele não é fotógrafo, como pode, em princípio mesmo que geral, a arte anteceder ao suporte que ele vai utilizar para criar um discurso? Deu pane no meu cérebro... O artista se considera um "autodidata errante" e pelo discurso que ele alardeia nos rebocos de Dédalo, quero dizer, na folha de jornal, acredito que é errante justamente por se deixar ficar preso nesse labirinto criado com as próprias palavras. Releio a matéria e continuo perdido nesse labirinto de palavras. São tantos os estranhamentos que acabo por entender quando ele diz: "Beleza, como sabemos, é um dos cânones vitais de toda arte em qualquer tempo, mesmo considerando a infinita diversidade que, como núcleo, tem se desdobrado em toda a história". Entendeu? Então, ele quis dizer que a beleza, como nós (eu, você e ele) sabemos, é um dos cânones vitais de toda arte em qualquer tempo, mesmo considerando a infinita diversidade que, como núcleo, tem se desdobrado em toda a história. Entendeu agora? Ótimo, acho que já podemos sair desse labirinto criado pelo jogo de palavras do jornalista em conluio com o artista. Só espero que você tenha amarrado uma linha na entrada, porque agora teremos que enrolar o novelo e sair antes que ele nos devore! Quase fora dessa construção imaginária eu volto a me perder quando o artista, segundo o jornalista, diz: "No meu trabalho, tento perscrutar o que seria a beleza em seu estado terminal, a morte. Ou quem sabe, alguma energia vital, ou ainda escombros de paixões falidas, ou ainda maquiagem pura e simples. Não sei responder a essa questão". Mesmo sem conhecer o trabalho do artista, passo a vislumbrar uma colagem com a cara que teria a beleza na hora de sua morte, amém... Se eu gosto da imagem que me vem à mente? Não sei responder a essa questão. Fecho o jornal e vou comer mingau de farinha Láctea. Não quero desmerecer o trabalho do jornalista e muito menos do artista, mas penso que o discurso de apresentação antecede ao trabalho do artista e por isso mesmo ele deve ser claro e objetivo, com a finalidade única de cativar e não de ser mais um entre tantos textos com função de labirinto, onde o escritor é o Minotauro das palavras e vai enredando o leitor até que ele seja devorado pelos verbos, advérbios e gerúndios. Ô gente pra falar difícil! |
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