O
BELO DA MANHÃ
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Rosi
Luna
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Deixa te contar um segredo:
tenho uma mania. Tá bom, se é que vou contar, deixa ser sincera: não tenho
mania de roer unha, e também não coloco o dedo no nariz e não tenho tara
por espremer cravos. Tenho a mania de plagiar as pessoas. Tem dias que
não quero citar fonte - quem foi? quem escreveu? Gosto de dar um trabalhinho
para o leitor. Confesso que esta crônica é um plágio - de um escritor,
digamos, em constante ebulição. A minha é a crônica de uma escritora chuchu.
Entendeu a analogia? Vou te explicar melhor: sou verde na escrita, minhas
palavras não tem muito gosto. Sabe uma comida sem muito tempero? Então
é assim. Mas, de tanto tentar escrever, um dia, tenho certeza, minhas
palavras vão ter mais sabor. Um dia pego prática e a receita vai dar certo.
Quero começar igual, plágio que se preza tem que ser igualzinho, como vaso, par de jarro, gêmeo univitelino. Agora, calma aí, que vou copiar só o inicio. Quero ver o argumento do promotor quando for me acusar. - A ré plagiou o início de uma crônica de autor conhecido no meio editorial... Penso que, se eu plagiasse um obscuro, ele ia até gostar - imagina um anônimo plagiar outro da mesma espécie. Isso não tem graça nenhuma. Já que vou ser presa, pelo menos vou plagiar alguém que admiro. E no fundo ele sabe que não é bem plágio, é uma inveja salutar que lhe faz bem ao ego e à auto-estima. Você sabe que escritores viajam muito, e quase sempre de avião. Penso até que eles vivem com uma mala pronta para arribar, como dizia minha avó. Sempre que alguém falava em viagem, vovó já pegava o terço pra rezar e sempre tinha o comentário. - Arriba, arriba... Eita gente pra arribar. E quando estão viajando, escritores não param de pensar, ficam divagando além do normal. Olham para uma mulher e já começam a imaginar uma vida para tal mulher. Colocam lágrimas nos olhos de sua musa, fazem as lágrimas disputarem páreos - qual será a ganhadora? a da esquerda? a da direita. Carta é um ingrediente que não pode faltar e tem que estar amassada, sofrida, com cara de carta de amor mal resolvido. Leitor morre de curiosidade querendo saber o que estava escrito na missiva. Mas vou começar, que já me estendi demais. Ele devia ter o quê? 15, 16, no máximo 17 anos. Mas vamos do início: escritor mais simples viaja de ônibus mesmo, e minha cadeira com encosto reclinável era a número 20, a do meu filho era a da janela. Imagine um ônibus em final de férias. Advinha quem vinha nele? Se falou estudantes, acertou na mosca. Lá vai plágio de novo, mas o garoto do meu lado esquerdo era um gringuinho de pele pêssego e aparentava ser muito jovem. No começo, senti o drama da viagem. Ia ter que consumir todo meu inglês de poucas palavras e sem nenhuma concordância verbal - falo tudo no infinitivo. Lá pelas tantas, ouvi o gringo falando em português. Respirei aliviada: não iria conseguir segurar a criança do meu lado entretida com a paisagem por muito tempo. Tinha certeza de que ia rolar um papo. E, claro, rolou. Ele foi contando que fazia intercâmbio. Me disse que a idade ideal para o programa é 16 ou 17 anos, a partir daí o indivíduo já é considerado velho. Mordi o lábio e pensei "aos 18 anos já seria considerado velho!" Já estava pensando em um personagem do Jurassic Park para falar da minha idade. Não sei, mas na hora me lembrei de uma amiga loira, uma cantora que adora meninos assim novinhos, de 17 aninhos. Decididamente, concordo com ela: eles podem ser lindos. Mas não são a minha praia. E deixa eu descrever o moleque: loiro, cabelo cortado como se fosse de príncipe, formato redondo. Os olhos profundamente verdes, o nariz fino, a boca rosada. Usava uma desleixada bermuda vermelha e uma camiseta azul da seleção brasileira. Se era bonito? Olha, não sou chegada em meninos mesmo. Mas ele era um belo espécie masculino. Se pudesse guardar para maturar, digamos que até os 30 e poucos, ele ia chegar ao ponto. Até que a viagem terminou e, quando chegamos na rodoviária, ele me olhou com aquela carinha de cachorrinho perdido e falou "Sabe onde fica a Polícia Federal? Preciso ir lá tirar um documento." Como tenho vocação para madre Teresa de Calcutá, disse "Se quiser uma carona, te deixo lá." Ele agradeceu com vários "Muito obrigado, muito obrigado" (com sotaque bem gringo, lembrava um português de Portugal). O príncipe loiro chama-se Adam e seu castelo é San Francisco. Ele me deu seu e-mail e ficamos de trocar correspondência. Mas há um detalhe técnico que vai dar samba: ele não sabe escrever em português e eu não sei escrever em inglês. Acho que vou escrever "smile, smile, smile..." e tudo vai dar certo. P.s.: Esta crônica é um plágio-homenagem à crônica "A Bela da Tarde", de Mario Prata, publicada no Estadão no dia 1.º de agosto de 2001. |
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