A
COZINHEIRA DOS ANJOS
|
|
May
Parreira e Ferreira
|
|
*****
Você é tão linda, as palavras saíram sem titubeio na voz, os anjos a receberão com alegria. O companheiro da vida toda se despediu passando os dedos suavemente por seu rosto. Sentiria saudades, mais que isso, a fome o ameaçava pela primeira vez, pois até aquele instante, Albertina não deixara faltar um mimo, um quitute, um refresco gelado para as altas do verão, um chá preto para as baixas do inverno. Ela era a dona soberana da cozinha, se sentia orgulhosa das qualidades com que a vida a abençoara. Que mãos maravilhosas, desde sempre Albertina escutou. Sim, tinha um dom e o usava como ninguém, aliás, ouviu dizer que havia no passado, em França, uma banqueteira da nobreza. Para Albertina não havia barões nem príncipes nem corte. Sua gente era gente comum gente do todo dia. A princípio não reconheceu o lugar, porque nunca o houvera conhecido então, mas rapidamente perguntou, Estou no céu. Rostos desconhecidos, alguns familiares, outros muito caseiros, todos lhe sorrindo, Seja bem-vinda Albertina, o senhor de grossa barba e longos cabelos estendeu as mãos, Entre e sinta-se à vontade, fizemos questão de providenciar a cozinha mais moderna que nos foi possível. Era de fato uma cozinha de sonho, Só para ter tudo isso, já valeu a pena, quer dizer, se é que eu posso achar assim, meu velho que me perdoe. E aí deu uma dorzinha bem no fundo, escondidinha, Será de meu velho o quê. Deixe lá, Albertina, que alguém se encarrega dele. Você agora vai poder mostrar para quem nunca conheceu as delícias da mesa, um muito de sua encantada arte de fazer a felicidade terrena. E começaram suas cozinhanças celestes, a princípio feitas todas com muito gosto. Era um que chegava com pedido simplesinho de feijão-com-couve-torresmo-bananafrita, outro com pernil-de-cordeiro em geléia de anis, alguns mais refinados, um faisão imperial com maçãs carameladas, e por aí à farta. Albertina não descansava, não dormia nem sonhava. Entre uma cebolinha picada e um maço de manjericão mais alecrim e sálvia, ela pensava, Saudade do meu velho, muito diferente era quando a ele eu dedicava minha imaginação, e já era interrompida pelo pequenino que entrava implorando aqueles bolinhos da vovó com bastante açúcar e canela ou a batata doce assada com leite. Coisas que por tão simples, um tanto complexas. Depois de tempos, reclamou Albertina, Assim não vale, pode ser até pecado, mas isto aqui deixou de ser o céu. Eu gostava mesmo era quando tinha um amor à espera de minha demora, um amor que comia devagarinho saboreando cada gota de tempero. Está bem certo que estou no céu, mas mesmo assim quero algo de especial. Chega, disse enfezada enxugando as mãos no pedacinho de nuvem pendurado no canto do fogão, andem logo a chamar o chefe. O senhor educado que a havia recepcionado entrou devagar, sentou-se suspirando, Temos de novidade o quê, perguntou. Albertina o serviu com um refresco de amoras pretas, hortelã e mel, Tenho um pedido a fazer. O modesto senhor dando um estalido de aprovação com a língua respondeu, Sou-lhe ouvidos e boca. Albertina animada retrucou, Caso eu deixe cá um quitute realmente celestial, será possível que eu volte para o lugar lá de baixo, por uns tempos não longos, só que dê para eu repousar um pouco, pois sempre soube que o descanso seria eterno. Não é bem assim que as coisas se encaminham por aqui e sinto muita falta de um amor para me dedicar por inteiro. Albertina, disse o sereno senhor, qualquer coisa que eu negue a você seria demasiado, mas ficar sem sua comida também é injusto uma vez que a tenhamos provado. Eu proponho um acordo cristão, você está liberada para nova temporada terrestre, mas deixará um livro de receitas do que foi feito aqui. Enquanto começa nova jornada por lá, continuaremos a saborear suas delícias. Sei das dificuldades que terá, até mando querubim-extra para o auxílio manual. Albertina começou então a relatar seus registros de cozinha. Angelinos de beiços caídos, baba celeste escorrendo na tinta azul-real. Ela nunca se preocupara em deixar uma anotação sequer, pois se não estivesse presente, qual a graça de ficar repetindo receita, Mas se é assim que querem, vá lá. Houve reunião dos anjos. Mandou-se seguir à risca os detalhes da receita. E fizeram grande festa para comemorar o renascimento da menina. Para Glennys Silvestre |
|
Protegido
de acordo com a Lei dos Direitos Autorais - Não reproduza o texto
acima sem a expressa autorização do autor
|