REUNIÃO
DE FAMÍLIA
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Maurício
Cintrão
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Acho que foi o Jeff Smith,
apresentador do programa "Frugal Gourmet", quem disse que a
refeição é um momento de pacificação. Tecnicamente, com a minha família
maior é assim. Ou era assim. Até há pouco tempo, praticava-se o curioso
esporte da realização de almoços e jantares sem motivo especial nenhum,
apenas para usufruirmos da companhia, em paz.
Melhor dizendo, motivo sempre houve: comer. Mas o que sempre contou foram as oportunidades para jogar conversa fora. De quebra, dividíamos a mesa farta, fruto da exibição dos dotes culinários dos cozinheiros familiares. Entre os parentes, há verdadeiros virtuoses do fogão, tanto homens, quanto mulheres. Meu cunhado, o Raphael, por exemplo, é mestre no tempero de pernil de porco. Veterinário de paladar apurado, desenvolveu uma técnica especial de injetar o tempero na carne com seringa, daquelas de dar injeção em cavalo. A agulha parece bico de bomba para bola de futebol. "Quando a gente pega a veia femural, é uma maravilha!", declara, científico. Tem o bacalhau escondido, obra de arte da minha mãe. É um bacalhau empanado, coberto com creme branco e devidamente gratinado (por isso, escondido). Reza a lenda que minha avó, autora do quitute, sempre reservava o pedaço maior para o Tio João, o filho predileto. Era ela quem servia, por isso, não havia como checar o mito. Até o dia em que uma das filhas decidiu ajudar a Donária a servir. De repente, veio o grito: "Não, não! Esse é o pedaço do João!!". Difícil de descrever e impossível de não comer é a berinjela assada feita pela Cleide, a Nininha. É daqueles pratos que começam a ser feitos uma semana antes, tamanha a quantidade de etapas a serem cumpridas. Mas o sacrifício vale a pena. Nos almoços de Natal, sempre foi a minha preferência, com o espaguete do Rapha e aquele inimitável molho de tomate. Nunca tive coragem de pedir a receita da berinjela ou do molho. Nem tanto pelo trabalho que dão para fazer, mas porque o segredo é alma do apetite. Nessas lembranças, eu seria capaz de enfileirar outras delícias domésticas durante horas. Feito o bolo de batata com carne da Suely (isso, sem falar no pudim de leite e no manjar de coco, oh, glória!). Tem o creme de milho e o purê de maçã da Mônica (e o pavê de Sonho de Valsa, meu Deus!!!). Como também há o tutu de feijão do Zeda, com aquele arroz soltinho de dar inveja, o bolo de chocolate e a carne-louca da Vera, uns crimes de lesa-regime. Isso sem contar a feijoada de caldeirão, o caldo verde e o arroz de frango ao vinho da Rê. Puxa, que pena que a família resolveu pendurar o avental. Por um desses fenômenos que acontecem, já não nos reunimos mais como antigamente. As diferenças ficaram maiores do que a capacidade de superá-las. Com isso, a essência do comer em grupo perdeu o sentido. No fundo, ficamos velhos e esquecemos o paladar da condescendência. Pai dedicado e cozinheiro abelhudo, até já sei fazer sozinho algumas das famosas receitas familiares. Mas elas não têm o mesmo sabor pois, convenhamos, a magia dos pratos não está nas receitas, mas nas pessoas que os preparam. Mais do que momentos de pacificação, aquelas reuniões de família eram instantes inconfundíveis de amor. Um amor divertido, que transformava todos nós em pessoas melhores. |
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