PLANO
ARRISCADO
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Luiz
Fernando Kiehl
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Conforme o plano minuciosamente
elaborado, acendo a luz do abajur exatamente à meia-noite e me levanto
silenciosamente. Abro a porta do quarto e, pé ante pé, percorro o longo
corredor. Todos já estão dormindo e tudo pareve de acordo com o previsto.
Chego às escadas e desço os degraus com infinitos cuidados, sem me esquecer
de pular o quinto de cima para baixo. O plano é arriscado e de imprevisíveis
conseqüências, por isso não convidei ninguém para participar, assumindo
sozinho a responsabilidade de um fracasso. Não sei se as minhas pernas
tremem de medo, frio ou desnutrição.
No térreo, redobro os meus cuidados, pois o olfato do cachorrinho da mulher do doze pode me denunciar a qualquer momento. Pra chegar ao objetivo ainda falta a parte mais difícil: ultrapassar a vigilante noturna que assiste televisão em seu cubículo, com o telefone bem à mão. Agacho-me no corredor e ando de gatinhas por cerca de dez metros, fora do alcance de sua visão e sem fazer nenhum ruído. Vencido mais esse obstáculo, levanto-me bem em frente da porta e experimento lentamente o trinco. Se ela estiver trancada à chave, tudo terá sido em vão. Felizmente, Deus está comigo e a porta se abre com uma leve pressão. Espero meus olhos se acostumarem à escuridão porque não posso correr o risco de acender a luz. Pouco a pouco, vou localizando os principais elementos do ambiente: à esquerda, a geladeira; aquele armário em frente tem jeito de ser uma despensa. Agora, muito cuidado para não pôr tudo a perder. No armário, encontro os pãezinhos que sobraram do café da manhã dos funcionários e pego dois. Abro-os com as mãos mesmo, pois não me arrisco a procurar uma faca nas gavetas. Na geladeira, fico em dúvida entre o litro de leite e uma Coca-Cola, mas acabo optando pela segunda. Descubro ainda umas fatias de queijo de Minas e, delícia das delícias, um vidro de geléia de morango, que passo nos pães com o indicador. Coloco um sanduíche em cada bolso do pijama e faço todo o caminho de volta sem contratempos. Quando, finalmente, fecho a porta do quarto atrás de mim, suspiro aliviado com a certeza de agüentar mais uma semana neste spa dos infernos. |
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