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ALIMENTO DOS ANJOS: A PALAVRA
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Lisa
Simons
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No
colégio religioso, onde fiz o ginasial, os professores costumavam repreender
as alunas mais afoitas denominando-as histéricas. Eu tinha horror à palavra,
considerava-a a pior das humilhações e mais ainda o que ela significava:
uma mulher aos gritos, entrecortados por gargalhadas, totalmente descontrolada
diante de sensações que não podia reverter, invariavelmente ligadas a problemas
de ordem sexual. Para mim ter nascido mulher já era terrível, significava
ter menstruação, esperar casar para conhecer o sexo, gerar filhos e ficar
com o abdome flácido e as pernas cheias de varizes, ademais his-té-ri-ca!
Nas minhas preces de adolescente pedia a Deus que me livrasse desse mal.
Amém!
Hoje sei que a histeria é bem mais cruel do que eu pensava e mais profunda as suas razões: a repressão dos sentimentos de grande intensidade emocional, a ausência de comunicação dos desejos, podendo se refletindo em dissociação mental devastadora e ainda em patologias como a cefaléia, os vômitos, a queda de pressão, a paralisia. No passado era o mal que assolava a alta burguesia, onde os distúrbios de comportamento eram quase sempre dissimulados, especialmente entre as mulheres, porque nas classes menos privilegiadas elas dispunham de uma válvula de escape: as conversas francas desenvolvidas, no dia-a-dia, de maneira espontânea com amigas (se bem que os problemas de sobrevivência eram tantos e tão pesados, que não se tinha tempo de padecer de males existenciais). No presente, a ansiedade desencadeada pelo ritmo de vida incompatível com o ser humano, se reflete numa forma ainda mais severa de neurose: a depressão, cujas origens também são as mais diversas e os sintomas ainda mais intensos que os da histeria. Nela a criatura se torna arredia, descrente de tudo e de todos, totalmente desestimulada e infeliz. As drogas são apresentadas como sendo a solução mais eficaz, agora mais do que nunca, pois juram os entendidos que encontraram a química da felicidade. Mas, e a palavra? Não é ela a melhor forma de se dar vazão aos sentimentos? Não é ela o mecanismo de comunicação que nos diferencia dos animais? Por que renegá-la, privando a criatura de sua criação? O tema da semana "comida", reportou-me, imediatamente, à realidade atual, onde se continua a morrer de fome em todas as suas mais perversas formas: de alimento, de amor, de reconhecimento, de idéias e principalmente de diálogo. Sim, a fome desencadeada pela ausência do diálogo verdadeiro, não aquele produzido em seções de psicanálise (formal e caro demais), mas através da palavra sincera, a que aflora sem métricas, sem censuras prévias. Eu mesma passei boa parte da vida desacreditando no ser humano, fechando-me a palavra. Os "Versos Íntimos" de Augusto dos Anjos, na amargura constante de sua poesia: "O beijo, amigo, é a véspera do escarro, A mão que afaga é a mesma que apedreja. Se a alguém causa inda pena a tua chaga, Apedreja essa mão vil que te afaga, escarra nessa boca que te beija!" eram recorrentes cada vez que me desiludia com alguém. Quantas vezes ouvindo Milton cantar; "Amigo é coisa pra se guardar do lado esquerdo do peito..." não conseguia deixar de ter pensamentos azedos - cuidado, não junto com a carteira! Não esqueça de tirar quando dormir com o namorado e, se possível, compartilhe o espaço com uma figa, pois a inveja dele pode secar seu coração! A Internet surgiu como uma fórmula de comunicação rápida, prática, abrangente, privativa e acima de tudo uma maneira interessante de conhecer pessoas, sobremaneira para os mais tímidos, os solitários, os notívagos, muito embora esses contatos estejam sendo desvirtuados e conduzidos para fins unicamente libidinosos, o que é lastimável. Mas foi num bate papo do "Terra", na sala dos interessados em literatura, que um belo dia um navegador, conhecido por "Absurdos", falou-me dos "Anjos de Prata", e sua filosofia. Procurei-o o site e descobri não só uma forma de dialogar na Internet, mas também uma maneira de conhecer melhor as pessoas, e de me desligar da realidade sufocante, através da palavra. Os temas, como já disse, estimulam as idéias, dando origem às mais diferentes interpretações. É lúdico, como aquele jogo dos tempos de criança: "A palavra é!". Ler o que o outro escreveu a respeito, as histórias que se desdobram, de acordo com o humor e os acontecimentos é adrenalina para o meu cerebrozinho cansado das baboseiras que saturam os meios de comunicação! É anjo que fala do cotidiano, com lirismo e delicadeza, dos pequenos detalhes quase sempre despercebidos por cada um de nós. É anjo jovem, jornalista, e anjo já maduro, arquiteto, advogado, procurando espaço e um novo sentido para a vida. É anjo saudosista, que lembra o movimento hippie. É anjo paternal e apaixonado sempre se reportando aos filhos e a companheira com carinho. É anjo lírico, que fala ao coração da gente e anjo pornográfico, mas infantil a um só tempo, nos faz rir e pensar. Sim, têm um que se especializou em nomes estrambóticos: Gersinésios.. Jesuandros..., todos atribuídos a personagens popularescos e intrigantes, e um outro que me convenceu, imagina, que ser lápis é interessante! Não esquecendo a anja que recebe enxurrada de palavras toda a semana e com generosidade e eficiência as organiza de maneira bela e precisa, e ainda aquele anjo maior, a semente de tudo isso, o inspirador, esse conhecido por todos nós - o escritor Mario Prata. Pois é, a palavra transcende a tela e me transpassa, me saciando a fome do diálogo, me deixando à vontade a ponto de arriscar a interferir na palavra de uma outra escritora, pedindo: ELIANA, por favor, ligue para a Sílvia! |
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