A
AMIGA QUE FICOU VERDE
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Ana
Peluso
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Que bom ve-la, digo, ouvi-la,
oh , estou confusa... le-la!
Sim! Ana começa o e-mail para Bia, sua amiga virtual há quase oito meses. Ana estava com saudades de Bia, mas tantas coisas haviam ocorrido em sua vida, que Ana mal tinha tempo para respirar. Por isso andava verde como avencas, e mudando de alhos para azeitonas, só pra manter o tom da falta de ar, Ana diz a Bia que sente saudades e que gostaria de estar trocando um milhão de idéias com ela. Perguntando o porque dela ter desisitido da faculdade. Ia ser atriz?... Fora? Não gostara? Enfim, era tanto para Ana perguntar à Bia, que resolveu pular essa parte e ir direto nas preferências sadomasoquistas de contar o que não ia bem com ela. Bem... o que não ia bem?... Tudo. E nem adiantaria lhe pedir detalhes, porque tantas coisas haviam ocorrido que andava até sem falta de ar. Verde. Como avencas. Várias avencas. Todas penduradas na face de Ana. - Por isso estou verde, Bia - Ana dizia a Bia, por e-mail, justificando a foto que não enviava, justamente por estar verde. Não que Bia pedira, mas Ana gostaria de presentea-la com fotos. E também por isso se colocara a colecionar poeira cósmica em vidros de refrigerante vazios e pequenos meteoritos em cima da mesa do escritório. Não sabia explicar porque fazia isso e também a ligação entre um fato e outro, mas aconteciam, inerentes à sua vontade. Ambos. Cada um de um lado da vida. Com seus mecanismos próprios. Funcionando paralelamente, em suas diferentes engenharias. Bia falara da faculdade, parece que resolvera voltar, e Ana ficava feliz com o fato. Não que Bia não devesse ser atriz, até porque para ela, Ana, a escrita mantinha estreita ligação com a arte viva de representar. Apesar de uma ser a expressão pura da idéia, e a outra, a vestimenta dessa idéia, ambas com pesos relativos a suas extensões, eram as poucas coisas extasiantes que a humanidade ainda mantinha contato. Além da música. Ana temia que isso fosse interpretado como uma apologia ao escritor em detrimento do ator e tratou logo de explicar sua preferência: - Ator bom é, antes de tudo, bom leitor. E não há ator sem texto. Como não há escritor sem leitor. E um ator é um leitor, também. Achando que o papo estava ficando chato demais (resvalando para retórica pura), Ana, sutilmente muda de assunto, perguntando a Bia como tudo está indo, se a revista da faculdade virou alguma coisa... - Deu certo, Bia? Não me lembro o nome, confesso. É que tanta coisa aconteceu, que estou ficando sem ar. Por isso estou verde. Como uma avenca. - E os textos? Os poemas? Ah, não pude te ver na Multishow. Tenho tv a cabo, mas pegam apenas poucos canais, por medidas de economia de energia elétrica. Quanto menos canais assistir, menos energia vou gastar. E também, o Fernando podia ter avisado a turma que a coisa andava seca. Assim na farinha de mandioca nordestina. Seca seca. Mas torci para que tudo desse certo e me perguntei porque não encontro com alguém que me pergunte aquilo que o rapaz da Multshow perguntou a você: - Hey, alguém aí quer ser escritor?... Não, Ana sabia que isso não aconteceria. Não dessa forma e como sonhava. E sonhava para, e por Bia também. Como sonhava por outras pessoas que achava ela, mereciam subir ao pódio de chegada, ao reconhecimento, à felicidade. A própria farofada na praia! Coisa de se esbaldar, mas se mudar para o litoral, acostuma-se. Mas nunca deixa de ser bom estar perto do mar. Ana notara que Veríssimo não aparecia para os almoços de crônicas, e Cecília Meirelles há muito não vinha para o chá de poema, mas Drummond ainda estava na estante a lhe fazer companhia, quase que sempre. Excelente conselheiro. - E com você? Como andam as relações literárias. Imaginava que Bia lhe contasse tudo o que estava acontecendo desde a última vez que se viram. Não. Se Falaram. Não... Que se leram. Sim elas se liam. Só para não perder o costume e a vocação. Elas apenas se liam. E até então era o que bastava para uma conhecer a cabeça da outra. Ana não conhecia o rosto de Bia. Ela ficara de enviar uma foto que nunca chegou. Mas Bia conhecia o rosto de Ana. Por isso Ana estava tão moralmente acabada... Estava verde. Como avencas. Era a falta de ar. Ana queria contar a Bia todos seus sonhos, mas o sono a dominava. Pronto, lá ia mais um e-mail mal escrito para alguém que se amava. Tanto a dizer, a contar, mas nada contara. Apenas o que não dera certo. Os sonhos ficavam como a poeira cósmica, vagando pelo limite de ar que a garrafa de refrigerante proporcionava ao seu movimento. Também eram tantos, os sonhos, que Ana imaginou a paciência que Bia teria de ter para ler a todos. Resolveu deixar para uma próxima missiva eletrônica e tratou de desligar o computador. Estava exausta e necessitava relaxar. Foi deitar-se com um livro embaixo dos braços, que não abriria naquela noite. Lembrava-se da última frase que escrevera à Bia. Escreva-me, sua danada! Estou com saudade! E lembrou-se que o computador poderia não estar funcionando no dia seguinte, nem no outro dia seguinte... Ana sentia que estava na mão do sistema operacional até amanhã. Na mão do técnico do micro dali em diante. E mais adiante na mão vazia, nada se resolveria. Adormeceu preocupada com Bia, que poderia imaginar que seu sumiço era desprezo à sua mensagem de retorno. E pediu a Deus, que ela não imaginasse isso. Acenou um boa noite imaginário à Bia, e imaginou-a retribuindo. Seus sonhos, entregou às estrelas. Sua fome do mundo foi ter com elas. |
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