Soube
de sua carta através de uma pessoa a quem muito prezo, que trabalha
no setor público, e me copied/pasted a referida. Embora
ela tenha entendido o objeto alvo do texto, pois é óbvio que
me refiro aos "maus" funcionários públicos, sua indignação
fez-me pensar em duas coisas.
Primeiro,
que seria de bom tom um abrir parênteses para abrigar os "bons"
funcionários públicos, que certamente os temos. Vou alterar
o próprio nome do texto para "Desfuncionários Públicos",
assim creio que cubro o universo desejado, excluo os competentes
do balaio de gatos e, de quebra, quem sabe, acabo criando uma
denominação mais adequada aos merecedores da alcunha. E são
muitos, caro Daniel. Eu estudei na USP, e lá vi muitos professores
meia-boca, acomodadíssimos. Minha filha lá estuda atualmente,
e sofre com o mesmo dilema, por parte de professores e funcionários.
Isso sem falar nos intermináveis chás de cadeira que eu levei
a vida toda pelas repartições e outros órgãos públicos. Portanto,
ficam excluídos os veneráveis bons funcionários públicos, certo?
Segundo,
e mais importante, vamos dedicar um ou dois dedos de texto a refletir
sobre o ocorrido. Sua indignação e, como reação, a ameaça de acionar-me,
e de quase, por pouco mesmo, xingar minha mãe e meus pimpolhos.
Vá lá, você devia estar soltando fogo pelas narinas depois de
ler o texto e, desconfio, se cruzasse comigo naquele momento,
provavelmente soltaria um pitibul em meu encalço, fazendo-me passar
pelo que passam nossos pobres carteiros.
Eu
falo sobre o "ser politicamente correto", essa mania
moderna que, parece-me, iniciou-se com os ridículos avisos de
que o cigarro provoca de câncer a mau hálito, impressos em cada
maço. Antes, as bulas já nos davam trocentas explicações, e pedidos
de perdões, sobre os colaterais efeitos que seu curandeirismo
poderia provocar em nossos frágeis esqueletos. Mas, no caso dos
remédios, como as letras dos doutores, não entendemos nada,
e nos devem explicações, a nós, leigos.
Já
ao falarmos de arte, disso somos, o povo brasileiro, experts,
doutorandos. Sabemos ler as entrelinhas. Creio eu que o
modo de ser politicamente correto foi criado por algum advogado,
para proteger um ou outro cliente, que vendesse gato por lebre.
Atualmente,
e João Ubaldo comentou sobre isso em crônica recente, precisa-se
tomar cuidado com tudo que se escreve, que se fala, que se pensa,
pois poderemos estar ofendendo alguma minoria, no caso, a dos
bons funcionários públicos, ou bons políticos (será que os há?),
dos irmãos negros, judeus, ciganos, homossexuais, etc.
O
resultado? Uma violenta censura sobre todas as formas de comunicação
e, pior ainda, uma poda implacável na criatividade. Não é à toa
que vivemos anos não tão incríveis, onde todas as manifestações
artísticas primam pela superficialidade e pelo caráter morno da
expressão.
Os
comerciais de xaropes e assemelhados sempre terminam por advertir
o doente para que procure um médico se os sintomas não desaparecerem.
Como se a população fosse estúpida a tal ponto, que não soubesse
disso. São as drogas milagrosas, que prometem matar a sede de
tudo, mas nos avisam para beber alguns copos d'água caso a dita
não faleça. Ou nos curam da dor de cabeça, mas não se responsabilizam
pela diarréia que causam. A presente era é da mais completa hipocrisia
e mercantilismo.
Então,
corta-se toda possibilidade de raciocínio, entrega-se o prato
pronto, sem que o doente, ou telespectador, ou leitor, não tenham
chance de mostrar suficiente tutano para distinguir entre o trigo
e o joio, e perceber o que, de fato, está sendo criticado.
E
as piadas? O que será delas com a foice do "politicamente
correto" a ameaçar-lhes a jugular? E os humoristas? Terão
eles que dar intermináveis explicações quando contarem um causo
de algum "neguinho"? Ou do judeu sovina, do português
burro, do campineiro fresco, do pelotense gay, do paulista cdf,
ou do carioca vagabundo, e do mineiro desconfiado? Os carecas,
os ceguinhos, o surdo, o mudo, o coxo, etc.
O
que teria acontecido com Vinícius, quando disse sua famosa "as
feias que me desculpem, mas beleza é fundamental", assim
de supetão? Além do mais, tudo é relativo, meu amigo. Conceitos
mudam com o tempo, e tradições e ditos populares têm sempre um
fundo de verdade. Age-se, e depois, deita-se na fama. E o genial
Noel, ao cantar "e o povo, já pergunta com maldade, onde
está a honestidade?" E o "de morrer pela pátria, e viver
sem razão", que tanto custou ao Vandré?
-
Hoje, você é quem manda, falou, tá falado, não tem discussão,
não! - cantava o Chico, numa época que não queremos mais ver,
nem de longe.
Da
mesma forma com que expressei minha indignação, expresse a sua,
levante a bandeira dos que lutam com dignidade. Só a ameaça é
que desafinou. Mas, aprendi com o bom Tom, que os desafinados
também têm um coração.
Há
aspectos folclóricos em nosso país e em nossa cultura. Existem
há centenas de anos. Aposto que você tem algum amigo gorducho,
que conta piadas sobre obesos, e algum magrinho que faça coisa
respectiva.
O
nosso povo, do qual faço parte com meu trombone, traz no DNA o
bom-humor, a perspicácia, e um saco sem tamanho. Pois só com muito
bom-humor não nos deixamos entristecer pelas falcatruas, pela
irresponsabilidade, pela indecência que assola nosso país desde
o descobrimento. Portanto, Daniel, se faz parte do colesterol
bom da classe pública, não foi a você que me dirigi. Talvez tenha
lido o texto literalmente e isso tenha causado sua reação tempestuosa.
Talvez
os bons funcionários paguem pela fama dos maus, como sempre ocorreu
na história da humanidade. Mas, da mesma forma com que você levantou
sua espada, eu levanto a minha, contra a iniqüidade que habita
os setores públicos, em todos os escalões e profissões. De senadores
a médicos de centros de saúde, de professores a faxineiros de
escolas públicas. Em todos esses locais abundam incompetentes
e aproveitadores do nosso suado imposto. Foi a essa corja que
me referi, talvez com o exagero que as manchetes dos jornais trazem
para dentro de nossas casas.
No
mais, não leve tudo tão a ferro e fogo. E devo agradecer seu comentário,
pois prefiro o novo nome para o texto. Ficou melhor, mais contundente.
As artes estão sempre a falar das imundices e das belezas humanas.
E o "Grande Irmão", Deus o conserve bem guardado na
orelha do livro de Orwell.
Críticas
sempre são bem-vindas, agitam nossas lombrigas.
Um
abraço.
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