Tema 032 - NA CONTRAMÃO
BIOGRAFIA
NA CONTRAMÃO
Tarciso Oliveira
Uma dor intensa faz Paulo acordar. Ele percebe de imediato que o quarto está escuro e tenta se levantar para acender a lâmpada. Mas a dor volta. Ele não identifica a origem da dor que parece estar em todo corpo. E é isso que ele descobre durante outra tentativa de movimento.

- Droga! – diz em voz alta.

Ao mesmo tempo em que grita, sente no maxilar uma pontada qual a perfuração de um punhal. Ele tenta levar a mão ao rosto, mas ambas estão presas. Tudo ocorreu em uma pequena fração de segundos.

- Calma, Paulo. Não se preocupe! Eu estou aqui, ao seu lado...

- Mamãe?

- Sim, meu filho.

- Meu corpo todo dói. Você poderia acender a luz?

- A luz já está acesa, querido.

- Eu não consigo ver nada! Meu deus, eu estou cego!

- Não querido. Você não está cego. Você está apenas com uma atadura nos olhos.

- Por que esta atadura?

Ele tenta novamente levar as mãos ao rosto, mas sente as mesmas dores sentidas antes. Desesperado, ele grita:

- Quem amarrou minhas mãos?

- Calma, meu filho! Suas mãos não estão amarradas. Os seus braços é que estão engessados e imobilizados temporariamente.

- Droga! O que está acontecendo, mamãe? Por favor, me diga que eu estou sonhando...

- Infelizmente você não está sonhando, meu filho.

- Ai, como dói minha cabeça! Mamãe, sinto um formigamento no meu rosto. Você poderia coçar?

- Claro, querido. Qual é o lado?

- Direito.

- Assim está bom?

- Um pouco mais embaixo, perto da boca. Aí, sim, agora está bom. Obrigado, mãe.

Paulo sente agora que a dor não se dissipara, mas está suportável. Tenta lembrar-se do que aconteceu, não consegue.

- Mamãe, o que aconteceu?

- Você não lembra, Paulo?

- Não. Não lembro de nada. Aliás, eu lembro que saí para a casa da Aninha. Iríamos comemorar o aniversário dela...

- Isso faz dois dias...

- Você que dizer que eu estou assim há dois dias?

- Agora você está melhor, querido. Antes você estava inconsciente na UTI.

- UTI? Mamãe o que realmente aconteceu? Onde está a Aninha? Por que ela não está aqui?

- Querido, eu sinto muito... A Aninha faleceu, não teve a mesma sorte que você.

Ele não conseguia acreditar no que sua mãe lhe dissera. Sua noiva Aninha estava morta! Tentou novamente lembrar-se da noite da festa. Ele fora à festa da noiva com o seu irmão Guilherme, cantaram o “Parabéns a você” e ficaram bebericando no jardim da casa dela. Realmente bebera em excesso, mas o Guilherme era quem estava dirigindo o carro desde a saída de sua casa. Súbito, ele pára com a reflexão e dirige-se à mãe:

- Mamãe, e o Guilherme?

- Seu irmão também está morto, querido – diz sua mãe, aos soluços.

Ele ouve o soluçar da mãe e também cai no choro. Guilherme era seu único irmão, um ano mais novo do que ele, tinha apenas dezenove anos de idade. Ele se tortura e se culpa por ter deixado o Guilherme dirigir o seu carro. Ainda não lembrava do que acontecera, mas as evidências não deixavam dúvidas que ocorrera um acidente automobilístico o qual envolvera ele, sua noiva e seu irmão.

- Mais alguma má notícia, mamãe?

- Infelizmente, ainda tem querido.

- Diga-me tudo, por favor!

- A Juliana, namorada do seu irmão, também está morta. Ela estava com vocês quando... E também mais uma pessoa que estava no outro carro, que não conhecíamos...

A mãe de Paulo não consegue terminar a frase, desaba num choro comovente. Paulo percebe que existe uma outra pessoa com ela.

- Quem está aí com você mamãe?

- Sou eu, Paulo.

- Papai...

- Um minuto só, filho. Eu vou levar sua mãe lá fora. Ela está muito abalada com os últimos acontecimentos.

O pai de Paulo retorna após alguns minutos.

- É você pai?

- Sim, sou eu.

- Como aconteceu tudo pai? Eu não lembro de nada.

- Nós temos a versão do motorista do veículo que vocês estavam ultrapassando na hora do acidente. Segundo ele, antes de completar a ultrapassagem, numa curva, o carro de vocês chocou-se com um outro veículo que vinha em sentido contrário...

- Meu deus! Que coisa horrível!

- Segundo os médicos, é um milagre você estar vivo...

- Eu amava muito o Guilherme, papai. Mas sempre o achei imprudente no trânsito. Se ao menos eu estivesse sóbrio eu não teria permitido que ele fizesse a tal ultrapassagem arriscada.

- Não era Guilherme que dirigia o carro, filho. Era você.

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