LA
PUTANA DE TREVI
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Rosi
Luna
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Jatos contínuos, cíclicos,
num balé quase perfeito. O líquido se espalha numa extensão descomunal,
flui com vigor, com vontade. Um show capaz de liberar qualquer libido.
A brisa sopra fresca. Um homem se aproxima da mureta, precisa de apoio. Por um momento, fecha os olhos e começam a surgir velhas lembranças de Vinícius de Moraes, tão coniventes com o momento. Só mesmo uma alma poética pra saber definir tão bem essas águas: "És a princípio doce plasma submarino. Flutuando ao sabor de súbitas correntes. Frias e quentes, substância estranha e íntima. De teor irreal e tato transparente". O homem pensa em se atirar nas águas. A solidão aperta, dói fundo. A freqüência e o sincronismo do que vê libertam nele uma vontade de copular, soltar seu instinto, derramar sua seiva. O lugar não podia ser mais convidativo. Roma estava exuberante naquele fim de tarde róseo. Um dos seus cartões postais, a Fontana de Trevi, com seus esguichos cristalinos, retratava um misto de beleza e desejo. Os sucessivos movimentos da água, jorrando com naturalidade, faziam alusão perfeita ao momento maior, ao ápice seminal - ao gozo fatal. Mas a sensação de vazio teimava em não desaparecer do peito do homem. Ele procurava uma mulher, uma diva, um corpo com olhos e alma pra amar. Num gesto de desespero, apelou aos milagres da fonte dos desejos. Jogou uma moeda com força e pensamento. Seu olhar se fixou no fundo das águas, onde já repousavam várias outras, reluzindo. Quantos desejos estariam contidos naquele tanque? Um novo barulho de moeda lhe tira a concentração. O estalo soa como um alerta. Olha para o lado e vê o que parece uma miragem: uma mulher branca com sobrancelhas pretas. Ela está bem próxima, mexe na água e em seguida pega um lenço, enxuga as mãos. Remexe a bolsa e se olha no espelho, retocando o batom. O homem não perde um movimento. Analisa os gestos com cuidado. Lembra de um trecho de sua própria poesia: "Quanta leveza e formosura fez tua tez tão pura? Onde escondes tua figura?" Está embevecido, maravilhado. Nunca os poderes benéficos de uma moeda poderiam trazer resultados com tanta rapidez. A análise se faz minuciosa. É um deleite percorrer cada centímetro daquela imagem feminina. O casaco é surrado, de pele falsa, parece mink. O corpo parece bem delineado dentro do vestido lilás. Os seios teimam em fugir pelo decote. As pernas são longilíneas e ficam bem nas botas marrons de salto alto. O homem está hesitante, sua vontade é puxar conversa. Na cabeça, os pensamentos desconexos e cheios de dúvida: e se ela estiver esperando alguém? E se ela não gostar de estrangeiros? Ser brasileiro em Roma podia trazer complicações. Mas, também, por que não arriscar? Uma mulher como aquela era um bilhete premiado. Tentou levantar da mureta, procurou forças, mas continuava sem coragem para uma iniciativa. Enquanto seus pés parecem cravados no chão, sem qualquer possibilidade de andar, a mulher se afasta um pouco, indo em direção a um outro homem, de chapéu. De repente, a surpresa, um suor frio, o olhos teimam em não acreditar no que vêem: o homem de chapéu abre a carteira nos acertos finais, o preço foi combinado. O casal sai em direção ao pequeno hotel do outro lado da rua e as pernas do homem solitário começam a se mover lentamente. Ele quer dizer para ela que não vá, que fique consigo. No entanto, ao atravessar a via, não repara no carro que deliberadamente faz a curva e adentra na contramão. Tomba no chão, atropelado. A ambulância chega e ele é socorrido. No caminho do hospital, suas únicas palavras são: - La Putana de Trevi dove sai? |
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