ENTRE
TAPAS E BEIJOS
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Paulo
Panzoldo
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Direito de Cidadão
x Direito de Consumidor: um caso de Polícia.
Certa feita eu estava de plantão no Posto de Atendimento do Juizado de Menores no Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, quando um cidadão me pedira autorização para viajar com o filho, uma criança de colo, sem documentos. Neguei, não apenas para fazer cumprir a Lei mas, principalmente, por convicção pessoal. O cidadão virou fera e alegou ser um contribuinte e eu um mero "servidor público", portanto, eu tinha a "obrigação" de conceder-lhe a tal autorização, uma vez que era ele quem pagava meu salário, através dos impostos. Ao invés de encaminhá-lo ao Distrito Policial do Aeroporto e recolher o rebento ao SOS Criança até que "o cidadão" comprovasse a alegada paternidade, decidi provar-lhe que ele não possuía qualquer direito sobre minha decisão, uma vez que eu era um Servidor Público Voluntário, comissionado por um Juiz de Direito, sem remuneração de qualquer origem ou espécie. Só isso bastou. Se tentasse persuadi-lo de que a Lei existe para a proteção da criança, estaria perdendo meu valioso tempo, pois no Brasil somos levados a confundir Direitos de Cidadão com Direitos de Consumidor. Ao provar-lhe que ele não tinha o direito de viajar com o filho como "consumidor", deu-se por satisfeito sem mais delongas e retornou para casa em paz, a fim de buscar a exigida Certidão de Nascimento. Outra noite, eu jantava com um universitário, líder estudantil que fora fotografado entre tapas e beijos com a PM durante a última greve de professores paulistas e perguntei-lhe se ele condenaria o Cel. Ubiratan pelos acontecimentos do Pavilhão 9, em 1996. Pensou um pouco e respondeu que sim, condenaria. Por quê? Por que a Polícia, no Brasil, está sempre a serviço do Estado! - foi a resposta. Mas estaria o Coronel "a serviço do Estado" naquela situação? Engasgou. É um vício histórico confundirmos os órgãos policiais com os famigerados "órgãos de repressão" - normalmente paramilitares - e, como todo vício, é preciso um primeiro passo na direção contrária para vencê-lo. Segundo o Aurélio, "Segurança é estado, qualidade ou condição de seguro" e eu ouso acrescentar que Segurança (e aqui me refiro à Segurança Pública, Privada, Nacional e Universal) é, antes de tudo, um sentimento. Ou o cidadão se sente seguro, ou... não existe meio-termo. Alguns só se sentem seguros dentro de casa, outros só saem às ruas em determinados horários, como se isso fizesse alguma diferença prática, mas o fazem pelo sentimento da condição de seguros. Outros andam armados sem nunca terem disparado um único tiro na vida, pelo simples fato de se sentirem seguros na condição de armados. O Governo Federal lançou recentemente o Plano Nacional de Segurança, onde o item "iluminação pública" foi o mais visado em função daqueles que se sentem mais seguros em locais iluminados - os políticos, que adoram um holofote. Além de não acender uma única lâmpada nova, apagou as existentes. Incentivou o desarmamento civil e tenta nos convencer de que nossa polícia é bandida e corrupta, ao mesmo tempo em que "anistiou" os idealizadores do PCC: os seqüestradores do empresário Abílio Diniz, segundo um Promotor de Justiça. A Política de Segurança vigente há séculos é a de "vigiar e punir". O verbo "prevenir" parece não constar do dicionário político. Na Argentina existe um dito largamente divulgado nas Delegacias de Polícia brasileiras que nos faz lembrar de Deus e da Polícia somente nas horas de tragédia. Depois, simplesmente nos esquecemos tanto de Deus quanto da Polícia. Outra ocasião, em que nós brasileiros nos lembramos da Polícia, é na época de eleições, quando todos os candidatos - sem exceção - prometem melhores salários e condições de trabalho aos policiais como "Política de Segurança". Além de não cumprirem o prometido, nossos eleitos permanecem teimando no "vigiar e punir". Qual vai ser a Política de Segurança do candidato A? Melhores salários, uma viatura em cada rua, novos armamentos, o rádio-patrulhamento padrão primeiromundista. Do candidato B? Salários ainda melhores, duas viaturas para cada rua, armas de calibre mais grosso que as do candidato A, além da aquisição de cinqüenta e seis helicópteros, o primor em rádio-patrulhamento primeiromundista. Nas eleições seguintes, as propostas são as mesmas; apenas mudam de mãos - ou de bocas, sei lá. É a descontinuidade administrativa, sempre na contramão do real interesse público. Aos econometristas cabe a função de determinar numericamente (os tecnocratas adoram isso) a relação custo-benefício entre a doutrina de "vigiar e punir" e a de "prevenir, para vigiar pouco e punir menos ainda". Ao adquirir mais viaturas, o governante está apenas aumentando o grau de "vigilância"; ao construir novos presídios, está apenas aumentando o grau de "punição", ao engrossar o calibre das armas, está apenas aumentando o grau de "repressão/punição". Ao investir maciçamente em Educação e Cultura, ao desconcentrar a renda, estaria aumentando o grau de "prevenção" e reduzindo, de maneira drástica, os custos com a violência na área da Saúde, por exemplo. Como eternos escravos da Lei da Gravidade, estamos atados à Terra. Não basta comprar viaturas, armas, construir escolas, equipá-las com computadores, aumentar salários. Isso apenas nos escraviza ainda mais, quantifica as estatísticas, e só, pois não leva em conta o valor humano. A simples adição da política de "prevenção" ao "vigiar e punir" não resolverá o problema da Segurança, da Educação ou da Saúde, pois na outra ponta existe aquele que cotidianamente operacionaliza a política: o policial, o professor, o médico que são parte integrante da Sociedade, e não "instrumentos" do Estado, vistos como servidores no mais vil significado que a palavra possa ter. Não será apenas o aumento de salário preterido - e mais que merecido - pelos policiais que nos trará mais ou menos Segurança, pois o policial é também um cidadão carente de Saúde, Habitação, Educação. Mais carente ainda, de reconhecimento, não do ato de bravura como muitos pensam, mas de ser reconhecido como parte integrante da Sociedade. Temos então um círculo vicioso que nos recusamos a enxergar. Necessário se faz reconhecê-lo e rompê-lo, integrando-os à Sociedade, como dignos cidadãos que merecem respeito como eu e você. Não será um ou outro governante que conseguirá esse feito através de "programas comunitários" bolados por algum marketeiro político. Seremos nós, Sociedade, engrossando as fileiras, lado a lado nas manifestações, sejam elas de policiais, de esposas de policiais, de médicos, de professores, que, com menos tapas e mais beijos, construiremos, na contramão da História, uma Sociedade melhor. |
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