O
BABADO É FORTE ATÉ QUANDO, SHANGRILÁ?
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Marina
Cardoso
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Fundo: Adoniran Barbosa
"Nóis vortemo cuma béita duma réiva ....Nóis num semo tatu" Domingão fim de tarde estou preenchida de mim pelo outro. Não estou me achando, me acharam e eu encontrei Shangrilá. Ou melhor fui almoçar em Shangrilá. Restaurante nos Jardins ou numa rua discreta e charmosa em Higienópolis, não. Shangrilá é para poucos ou muitos. Muitos muitos os que vivem em Shangrilá. Ruas tem esgoto a céu aberto, crianças andam de bicicleta num ziguezague com os perueiros com ponto final por lá. Casas de tijolo à vista? não. Estão no estuque mesmo mas, a de Bernadete é muito caprichada por dentro. Azulejo de cabo a rabo, cozinha ampla, dois quartos e ainda aluga o porão para outra família. Quintal dá para quarar roupa, o lençol ficar branquinho, mas no bacião pois o piso é terra batida. Bernadete minha secretária do lar é especial em Shangrilá todos a conhecem e foi daqui e dali e Tuca e eu chegamos lá em Shangrilá. Uma hora e meia pegando a Robert Kennedy, Grajaú, dobrando a Estrada do Barro Branco, a indicação da Padaria Landau, quebramos a direita. Almoço de esconder segredos: peixe assado com salada e arroz da hora. Cafezinho beleza e fomos passear em torno, ver o verde na passagem onde desovam uns e outros. É o caminho de Shangrilá para a represa. Pegamos rua com placa "Rua Sem Nome" sítios abandonados e abundância de árvores e passarinhos. Sobe desce no trekking digestivo chegamos na grande lagoa Billings ressecada pela falta de chuva nas beiradas. Uma garça, pescadores de fim de semana, moçadinha de moto e muito lixo na margem de lá, na de cá é a prainha. Bernadete tem orgulho do seu verde onde caminha no domingão namorando. Seus filhos gostam de jogar fliperama, gastar dinheiro. Em Shangrilá não tem praça, não tem parque, ela diz que nem tem violência... só uns e outros que aparecem por lá em cima mortinhos. Rumo à volta Bernadete faz um suco de maracujá delícia da sede. É tarde va'm voltar caminho inverso de Shangrilá. Avenida Marginal, e fico achando tudo mais próximo. Como podem tantas pessoas que fazem Shangrilá cidade dormitório, saindo às 4:30 da manhã pululando nas peruas até chegar ao ponto do meio do caminho? Falar da violência urbana é quem nunca viu Shangrilá. Violência é deixar tantas tantas Bernadetes com filhos morando pelos Shangrilás de São Paulo, com estrutura básica zero pagando prestações milionárias das Tamakavis da vida para ter jogo para quarto e sala em ordem e o orçamento de pernas para o ar. Periferia SP. Shangrilá com cimentão, terra batida e o medo trancado atrás de grades nas janelas. Tal como condomínio classe A/Z. Medo. Pobre pode sentir medo além do rico ou você vai chamar de furto? Periferia sem lazer sem prazer onde está o tesão na vida? Shangrilá dentro de mim ilhada. Meio do carinho de tantas Bernadetes que vem para casa classe média prestar seuviço, dão conta do recado e voltam para lá. Shangrilá. "Isto não se faz Arnesto nóis não tem culpa". Quando vão fazer "a praça virar um salão"? Lá o babado é forte. |
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