SÓ
A LUA SABE
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Viviane
Alberto
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Era
a terceira tentativa. Os dedos já estavam ralados de tanto esbarrar no reboco
rústico do muro. Os joelhos já ardiam por baixo das calças. Maldita a hora
em que teve aquela idéia.
* * * * * - É? Que tipo de loucura? - Ah, por você eu faço qualquer loucura... - Mesmo? Qualquer uma? Assim você me deixa assustada... Eu não sei do que você é capaz. - Dizia ela, deitada no sofá. O telefone sobre a barriga; uma perna no encosto e a outra balançando sobre o braço da poltrona. Toda enrolada no fio, falando daquele jeito que elas só falam quando querem encantar. - Sou capaz de tudo. Você me deixa tão louco que eu pularia o muro da sua casa, no meio da noite só para ficar com você. - Tá maluco?! E se alguém te vê? Além disso, o muro é alto, tem as crianças. Isso é coisa para ladrão! - Ladrão é? Aqueles bem perigosos , que usam disfarce, roupa preta, capuz e corda? Sei... - Disfarçado, corda? Ai, que medo... - Tá com medo tá? Imagina só ele pulando o muro, entrando pela janela... - E eu lá, indefesa no meu quarto; dormindo com meu baby doll azul? - O azul? Aquele de seda? Estava armada a história. * * * * * Ele pensou no baby dool e deu o primeiro impulso. Enquanto escalava o muro, tentava manter o pensamento fixo no que o aguardava do outro lado. A janela sem a tranca, o baby doll... Tinha que ser naquele dia. O marido estava em Minas, voltava no dia seguinte. Era a oportunidade ideal. Os gêmeos já estavam dormindo. Tinha que ser agora. Ia pensando e subindo, até que chegou ao topo do muro. Agora era só pular. Analisou a altura: não mais que três metros. Virou a corda e foi descendo se apoiando no muro. Só não contava com um detalhe, ou melhor, cinco detalhes: os fios de varal presos no muro. Ele se enroscou neles, de costas. Ridículo. Parecia uma aranha caranguejeira, alí, se debatendo. Ainda bem que só a Lua viu quando os fio arrebentaram e ele caiu, de costas, em cima da bicicleta de um dos gêmeos. Gemeu baixinho, caído no quintal. Amaldiçoou tudo; o muro, o varal, a bicicleta, aquela fantasia ridícula. Só melhorou quando lembrou do baby-doll. Foi levantando devagarzinho e, na ponta dos pés, caminhou até a janela. Pegou com vontade as duas partes e as abriu de uma vez, como quem está prestes a se atirar. E ele estava doido para se atirar. Ela estava lá, deitada na cama com o baby-doll. Quando viu que ele ia abrir a janela (já havia ouvido o tropé que anunciara sua chegada) tentou fazer aquela cara de assustada. Assim puxando o lençol e deixando a boca meio aberta. Mas não deu para segurar. Quando aquele homem pulou sua janela, a boca de susto foi virando um sorriso, do sorriso ao riso, do riso uma gargalhada, que no final virou soluço e falta de ar. E ele lá. Com aquela pose de "Tcharam!". Percebeu que o riso não era para ele, era dele. - Pô! Armo o maior esquema; tudo no maior suspense, um puta clima e você aí, morrendo de rir! - Disse sentando no aparador aos pés da cama, desolado. - Mas precisava dessa meia calça na cabeça? - Ela dizia tentando parar de rir, mas não conseguindo. - Tava calor! Não agüentei aquele capuz de motoqueiro. Além disso, bandido usa meia fina na cabeça sim senhora! - É?! E essa calça de lycra? Acho que já vi sua irmã com ela na ginástica... - Pronto! Acabou com o meu clima. Eu faço um esforço danado, penso nos detalhes e você aí rindo de mim... - Ah, fica assim não meu elemento perigoso... Vem cá, vem... vem atacar sua presa meu Ninja Ocidental... - Ninja Ocidental?!! Ninja! Não dá, não tem mais jei... Ele não conseguiu terminar a frase. A presa, indefesa, tinha pulado em cima dele e tapado sua boca com um beijo. E foi tirando tudo: a meia calça, a calça de lycra, a camiseta de gola alta e mangas compridas. Até as luvas de pedreiro que ele conseguira, sabe Deus onde. Tudo foi para o chão junto com o baby-doll. O assalto-sequestro-invasão de domicílio durou a noite toda.No dia seguinte, quando o pai chegou, as crianças foram contentes encontra-lo no portão. Não eram só saudades; elas queriam mostrar os presentes que o homem que veio à noite tinha deixado no quintal, perto da bicicleta: um revolver de água destes amarelos e cor de laranja e um par de algemas de plástico sem as chaves. O pai coçou a cabeça, pensando por que seus sogros teimavam em ficar fazendo todas as vontades dos meninos. Precisava falar com eles. Aquela história de papai-noel em pleno mês de março já era demais. |
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