ZORRO
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Samuel
Silva
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Quando eu era guri, tínhamos
na tv preto-e-branco um seriado do Zorro vestido de branco, montado num
cavalo chamado Silver e com um amigo índio, o Tonto. Eram, obviamente,
tempos politicamente incorretos. Tínhamos também um outro Zorro, que se
vestia de preto, o cavalo era o Tornado e o amigo era mudo, o Bernardo.
Porque o herói sempre tem um amigo "menos"? Porque toda mulher
bonita sempre anda com uma que não é?
Isto significa que (a) um herói é mais herói quando seu companheiro é o oposto ou, pelo menos, menos do que o padrão de um homem médio e (b) uma mulher é tão mais bonita quanto feia for sua companheira de caça. Será que o modelo, o ideal de valores, precisa se sobressair pelo contraste? É na escuridão que entendemos a luz, é o silêncio que define o som? Ou é a vida como uma estante em que devemos, para ter lugar, nos enquadrar e encaixar nos vãos e escaninhos e então passaríamos não mais a ser por nós, mas pelo que ocupamos? Você lê Cortázar pelo Júlio ou porque está na prateleira certa? Você quer a brochura ou a edição de luxo encadernada em carmim com letras de ouro em papel bíblia? A moça bonita o é por si ou pela feia? Zorro é nosso herói para não sermos o outro? Dom Diego de la Vega se veste de preto (ou branco) e vira Zorro ou é o contrário? E nós, cada um de nós? Somos multifacetados ou multidisfarçados? Talvez os psicólogos e os carnavalescos tenham mais em comum do que se imagina, pois a normalidade, o mediano, o medíocre não são modelos, são só realidade e então se busca, nas fantasias, nos silicones e cirurgias, nas terapias, a prateleira que nos cabe, não pelo que somos, mas pela posição que desejamos. De todos os disfarces, o mais difícil é o da nudez. |
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