Tema 031 - DISFARCE
BIOGRAFIA
DISFARCE
Eliana Pace
- Você é uma chonga-ela me diz isso com um misto de raiva e desprezo e eu fico dando tratos à bola para saber se chonga se escreve com x ou ch...

- Uma chonga - repete, desprezando ainda mais meu ar meio aparvalhado, eu a procurar lá no fundo uma regra qualquer que determine se chonga é com x ou ch.

- Uma chonga monga... êpa, será que ela queria me chamar de songa monga e errou o prefixo? E afinal, de onde vem o monga? Se é de mongolóide ela foi não só politicamente incorreta como apelou feio. E monga, vem de Angola ou da Guiné?

Chonga, chonga monga... fico com as palavras zunindo na minha cabeça, sem saber o que querem dizer, se chonga se escreve com x ou ch, se monga é uma palavra africana - mas de onde ela tirou essa xingação tão engraçada, nessa fase da vida? se me chamasse de besta, de idiota, até mesmo de filha da puta, não, de filha da puta ela não ia me chamar, não teria coragem, mas chonga monga?

Eu disfarço, seguro o riso, não quero interromper a discussão que nem sei mais quando começou e que agora está ficando engraçada. O que foi mesmo que eu falei para ser xingada desse jeito tão esdrúxulo? será que foi quando eu disse que ela sonhava demais e ela me respondeu que eu não era romântica? e eu ainda retruquei que de tão romântica ela tinha ficado a ver a lua sozinha e ela veio com uma história de que pelo menos lutava para que os sonhos se transformassem em realidade... Só sei que tudo isso entrou por um dos meus ouvidos e saiu pelo outro e o que ficou martelando na minha cabeça foi o som de chonga, songa, chonga monga, aquele show espetacular do Chico, a Sasha da Xuxa fazendo gracinha, um gole de cachaça, um chuchu murcho, o cha - cha - cha que aprendi a dançar com aquele argentino picareta , o maxuxo da casa do meu avô, o eterno chapéu enterrado na cabeça, o charuto na bôca, a poltrona de vime no quintal, os dois gatos a ronronar no barracão, minha tia saindo da cozinha com uma panela de doce prá lamber, o sino do portão de ferro anunciando a chegada de alguma visita...

Ela estranha meu silêncio, a falta de vontade de devolver a xingação, acho que esperava um “não me enche o saco” que fosse, faz um ar ainda mais aparvalhado do que o meu e nem disfarça o mal estar: sai batendo a porta, pisando nos cascos como diria minha avó, que não falava em xis e não xingava ninguém, não conhecia nem o Chico, nem a Xuxa e muito menos a Sasha, que cultivava maxuxos, se queixava do charuto do meu avô e no fim da tarde se debruçava na janela do quarto comigo no colo para que eu pudesse acenar para os vizinhos que chegavam do trabalho...

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