NÃO
RIA!
|
|
Beto
Muniz
|
|
Estava
visitando um amigo e de repente me vi sozinho na sala da casa dele com
a bexiga quase que explodindo. Acontece que uma funcionária me
recebeu, me ofereceu água, café, qualquer coisa e diante
das minhas recusas e agradecimento, ela me instruiu a esperar e saiu da
sala como que por encanto, não deixando espaço para que
eu perguntasse onde era o banheiro.
Sentei na poltrona indicada pela senhora e no segundo seguinte fiquei em pé novamente. Sentado, a bexiga era comprimida e doía muito mais. Esperei por alguns minutos sentindo que a necessidade fisiológica ia se tornando mais urgente a cada segundo. E o meu amigo não aparecia. Andei até o final do corredor por onde a senhora que me atendeu tinha sumido e encontrei três portas iguais. Não me pareceram portas de banheiros, mas mesmo assim tentei abrir uma delas. Estava trancada. Isso eliminou minha ousadia em abrir portas alheias e voltei para a sala de origem. A necessidade deixara de ser urgente, se tornara iminente! Num canto da sala tinha um sofá enorme e quatro poltronas, um móvel de madeira com alguns bibelôs e um aparelho de tocar CDs. No outro extremo uma lareira com algumas madeiras queimadas na véspera. Fui em direção à lareira e fiquei observando as cinzas, pareciam estar quentes entre os restos de madeira queimada. Veio-me a idéia de fazer minha necessidade ali, nas cinzas... Ri idéia desesperada e voltei para o meu local de origem, ou seja, a poltrona perto da entrada. Não sentei, fiquei em pé fingindo analisar detalhes num quadro na parede, quando na verdade eu olhava só para dentro de mim mesmo e via a dor pulsando nas paredes da minha bexiga. E onde estava o filho da mãe que se dizia meu amigo? Por que se demorava tanto? Comecei a suar frio. Resolvi me movimentar pelo ambiente, andando em círculos para amenizar a dor na região do abdômen. Parecia que uma faca em brasa era enfiada bem abaixo do meu umbigo. Gemi. Sei que soltei um gemido. Continuei andando, olhando os quadros nas paredes, a luz no teto, os tijolos da lareira, o tapete, a mesinha de centro, as capas das revistas sobre a mesinha de centro, o piso de madeira, o rodapé unindo a parede e a madeira do piso, o pé do sofá, os braços das poltronas e tudo mais que havia para ser visto e pudesse distrair minha atenção. Não queria pensar na minha necessidade fisiológica e continuei andando pela sala. Sem que eu percebesse, parei ao lado da lareira. Já não dava mais para segurar. Juro que não. Sem atinar com o absurdo da minha atitude, deixei jorrar o líquido quente nas cinzas que, apesar da impressão inicial, já estavam frias. Comecei a sentir o alívio ao mesmo tempo em que os passos soaram no piso de madeira. A consciência voltou e eu quis interromper o jorro, mas foi impossível parar a ação de imediato. O som dos passos crescia ao mesmo tempo em que o volume do jato aumentava. Estranhamente, eu não conseguia diminuir. Eu fiquei olhando a espuma crescer no meio das cinzas e também a madeira apagada ficar respingada sem que eu pudesse impedir aquilo. Entrei em desespero e tentei interromper o líquido apertando o canal da ureta, não deu certo. A essa altura dos acontecimentos meu ato parecia ter adquirido vida própria e zombava de mim jorrando sem parar. Não teve jeito, meu amigo entrou e me flagrou em franco delito de inundação da lareira. Não seria possível descrever a expressão do meu rosto. Eu de pé com as pernas abertas e costas semi-arqueadas jorrando dentro da lareira e ele, pasmo no umbral do corredor, sem saber o que dizer ou o que fazer. Fui salvo quando tentava emitir uma desculpa verbal qualquer para o sujeito que não lembro quem era. Acordei. Foi justo o tempo de acordar para perceber que começava a molhar a roupa. Eu estava dormindo, sonhei que urinava e acordei em vias de fato. Ainda não totalmente desperto, mas já consciente, pulei da cama com um grito automático e corri para o banheiro. Meus movimentos bruscos, o grito e a corrida estabanada acabaram por acordar minha esposa que, solícita, me acudiu pensando sabe-se lá o quê! - O que foi? O que aconteceu? - Nada. - Como nada? Você pulou da cama gritando e saiu correndo... - Gritando? Pulando? Correndo? Você estava sonhando, só levantei pra fazer xixi, mais nada! Ela me olhou desconfiada, resmungou algo que não entendi e voltou para a cama. Eu continuei no banheiro disfarçando a verdade. Minha roupa de baixo estava molhada, eu não queria que ela percebesse minha situação. Avaliei e a conclusão foi que não dava pra voltar a dormir daquele jeito. Fui até a área de serviços, tirei a peça molhada, coloquei bem no fundo do cesto de roupa suja, peguei outra do varal, vesti, voltei para o quarto de casal como se nada tivesse acontecido e dormi como um anjo o resto da noite. |
|
Protegido
de acordo com a Lei dos Direitos Autorais - Não reproduza o texto
acima sem a expressa autorização do autor
|